segunda-feira, 4 de junho de 2018

Chamado efetivo e conversão: Posso resistir ao Espirito Santo?

A doutrina reformada da graça irresistível, também chamada de graça eficaz, afirma que Deus regenera e converte os eleitos por meio daquilo que é conhecido como o chamado efetivo. Esse é o chamado interior do Espírito Santo que persuade e convida o pecador a receber a Cristo, ao mesmo tempo em que o pecador é regenerado e renovado interiormente de modo a amar ao Senhor e crer prontamente no evangelho. Esse chamado deve ser distinguido do chamado exterior do evangelho, o convite feito a todas as pessoas indiscriminadamente pela pregação do evangelho, do testemunho, da ministração dos sacramentos e de outras proclamações da Palavra de Deus. Não obstante, o chamado interior muitas vezes acompanha e opera por meio do chamado exterior. Enquanto outras tradições ensinam que esse convite interior do Espírito Santo pode ser aceito ou rejeitado, a teologia reformada insiste que o chamado interior de Deus é efetivo, ou seja, nunca deixa de salvar aqueles que são chamados desse modo.

A Bíblia fala do chamado efetivo de Deus em várias passagens, mas talvez a que o distingue mais claramente do chamado exterior é Romanos 8.29-30. Nesses versículos, Paulo indica que o grupo daqueles que são chamados corresponde ao grupo daqueles que são predestinados, justificados e, por fim, glorificados. Fica evidente que esse chamado é dirigido somente aos que são salvos - bem como a todos os que são salvos (Romanos 1.7; Judas 1; Apocalipse 17.14).

O chamado efetivo é necessário em função do estado decaído da humanidade. Entorpecidos e envoltos em pecado, somos totalmente incapazes de responder de maneira afirmativa ao chamado exterior do evangelho; não dispomos dos meios para poder compreender corretamente Deus e sua mensagem de salvação (1 Coríntios 2.12-14) e odiamos a Deus e seus mandamentos (Romanos 8.5-8). Nenhuma pessoa decaída tem a capacidade moral de receber Cristo; somente aqueles a quem Deus concedeu essa capacidade podem crer no evangelho e ser convertidos (Deuteronômio 30.6; Mateus 11.25-27; 13.10-16; João 6.44,63-65; Atos 16.14).

Diante da nossa incapacidade, Deus escolheu transformar o coração dos eleitos mediante o seu chamado efetivo, implantando dentro deles uma nova capacidade moral e novos desejos, de modo que aceitem, inevitavelmente, o convite de Deus quando forem chamados (João 6.44-45; 10.1-5). É Deus quem inicia esse processo ao regenerar o nosso espírito e renovar o nosso coração (Deuteronômio 30.6; João 1.12-13; 3.5-8; Atos 16.14; Filipenses 2.12-13). Ele nos converte concedendo-nos a fé salvadora como meio infalível de obtermos a salvação (Atos 13.48; 1 Coríntios 1.22-31; Efésios 2.8-9; Filipenses 1.29; 130 5.20).

Por falar em regenerar o nosso espírito, vamos abrir um parêntese aqui e falar um pouco sobre regeneração. O termo regeneração, equivalente a "nascer de novo", é um termo técnico que se refere à revitalização que Deus opera numa pessoa implantando em seu interior novos desejos, propósitos, bem como, a capacidade moral que conduz a uma resposta favorável ao evangelho de Cristo. A palavra "regeneração" é derivada do termo grego “palingenesis” que é usado apenas duas vezes nas Escrituras. Em Mateus 1 9.2 8 Jesus se refere a uma "renovação" do universo em sua segunda vinda corno “palingenesis”. Nesse caso, o termo indica uma "segunda gênese" ou “segundo começo” para o universo, e não a renovação individual que costuma ser associada ao termo teológico "regeneração". Na outra passagem, Paulo descreve o batismo como "o lavar regenerador" (Tito 3.5). Apesar de haver quem considere essa expressão uma referência à recriação dos céus e da terra que se completará quando Jesus voltar, tradicionalmente entende-se que Paulo está falando de uma regeneração individual da pessoa batizada. Foi esse sentido posterior que os teólogos adotaram para o uso técnico do termo.

Jesus ensinou esse conceito a Nicodemos quando disse, "se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus" (João 3.3), indicando uma transformação muito mais profunda do que aquela exigida dos judeus para receber a vida eterna. A expressão grega traduzida como "nascer de novo" também pode significar "nascer do alto".

Segundo notas de rodapé da Bíblia de Estudo de Genebra sobre nascer de novo (João 3:3), o termo grego traduzido como "de novo" também pode ser interpretado como "do alto" ou "de cima". Essa tradução alternativa concorda satisfatoriamente com a discussão sobre as coisas "terrenas" e "celestiais" no v. 12, e também com a discussão sobre Jesus ter subido e descido, no v. 13; além disso, é empregada em outras passagens desse Evangelho (19.11,23). Por outro lado, o termo equivalente para 'regenerador" (Tito 3.5) favorece o sentido de "nascer de novo". Logo, é possível que Jesus estivesse sendo propositalmente ambíguo, sugerindo que o novo nascimento também é um nascimento do alto. Essa ambiguidade deu origem ao primeiro equívoco de Nicodemos (v. 4), que por sua vez motivou o restante da conversa.

Sobre nascer da água e do Espirito (João 3:5), essa frase enigmática induziu muitas discussões e várias propostas de solução. (1) 'Água" se refere à liberação do líquido amniótico que se segue ao nascimento físico. Porém, não há nenhuma outra passagem da Escritura em que a palavra "água" se refira ao líquido amniótico. (2) "Água" se refere à água que é usada no batismo cristão; porém, essa referência, que precedia a instituição desse ritual, não faria nenhum sentido para Nicodemos. (3) "Água" é uma referência às passagens do Antigo Testamento no qual o termo "água" e "Espírito" são unidos para expressar o derramamento do Espírito de Deus nos últimos dias ou final dos tempos (p. ex., Isaías 32.15; 44.3; Ezequiel 36.25-27). A menção dessa representação do Antigo Testamento, rica em simbolismos, explicaria a repreensão de Jesus no v. 10. (4) "Agua" se refere ao batismo de João que, tal qual o batismo cristão, significa a purificação dos pecados. Essa purificação está ligada à obra regeneradora do Espírito em SaImos 51.7-12 (cf. Tito. 3.5) e o Antigo Testamento menciona a água junto com a vinda do Espírito nos últimos dias. Essa opinião favorece a maioria dos paralelos do Antigo Testamento e faz mais sentido à luz da menção de João Batista nos caps. 1; 3.

É bem provável que Jesus tivesse os dois sentidos em mente. Por um lado, aqueles que estão mortos em pecado precisam receber uma vida nova pelo "nascimento espiritual"; num certo sentido, portanto, passam por um segundo nascimento. Por outro lado, assim como Jesus veio do céu (João 3.1 3), aqueles que entram no reino devem receber vida do Deus que está no céu (João 3.3,7). Como João expressa em outras passagens, precisamos "nascer de Deus" (veja João 1.13; 1Jo 3.9; 4.7; 5.1,4,18). Esse novo nascimento realizado pelo Espírito (João 3.8) vivifica as pessoas para as coisas de Deus e lhes dá uma nova vida para servir a Cristo.

De qualquer modo, podemos pensar na regeneração e em "nascer de novo" de modo bastante semelhante ao conceito neotestamentário de nova criação. A nova criação é uma realidade objetiva concretizada por Cristo. Quando indivíduos são ligados a Cristo pela fé nele, tornam-se parte da nova criação (2 Coríntios 5.1 7). Assim como Jesus falou da regeneração ("renovação") do universo (Mateus 19.28), é apropriado falar da regeneração ("renascimento") daqueles que estão em Cristo.

A visão reformada da regeneração pode ser destacada de outros pontos de vista em pelo menos dois sentidos. Primeiro, do catolicismo romano tradicional, segundo o qual a regeneração ocorre no batismo, um conceito conhecido como regeneração batismal. A teologia reformada afirma que a regeneração pode ocorrer em qualquer momento na vida de uma pessoa, até mesmo ainda no ventre materno (CFW 10.3) e, portanto não é o resultado automático do batismo (CFW 28.1,6).

Segundo, de outros ramos evangélicos da igreja para os quais o arrependimento e a fé conduzem à regeneração (isto é, as pessoas nascem de novo somente depois de exercitarem a fé salvadora). A teologia reformada, por outro lado, ensina que 'o pecado original e a depravação total privam todas as pessoas da capacidade moral e vontade de exercitar a fé salvadora. Por esse motivo, a regeneração antecede o arrependimento e a fé salvadora. Sem a regeneração, não podemos ver o reino de Deus (João 3.3). Depois que nascemos de Deus, recebemos a capacidade de crer em Cristo e segui-lo. A regeneração é realizada inteiramente por Deus o Espírito Santo -- não há nada que possamos fazer para obtê-la. Somente Deus ressuscita os seus eleitos da morte espiritual para a vida nova em Cristo (Efésios 2.1-10). A regeneração é uma obra miraculosa de Deus que nos leva à fé consciente, intencional e ativa em Cristo.

Voltando ao assunto do chamado efetivo, nem sempre Deus chama os eleitos dessa maneira na primeira vez que ouvem o evangelho; uma pessoa pode ser eleita e, ainda assim, rejeitar o evangelho por muitos anos. Quando isso acontece, os eleitos se comportam como todas as outras pessoas decaídas, rejeitando necessariamente o evangelho devido ao seu ódio por Deus e sua falta de capacidade moral de obedecer a ele. Muitas vezes, os cristãos pressupõem indevidamente que isso significa que o chamado interior e efetivo do Espírito Santo pode ser resistido. O chamado exterior por meio da pregação e do testemunho pode, de fato, ser resistido (Atos 13.45-46,49-51; 14.1-4). Na verdade, o chamado exterior sempre provoca resistência a menos que seja acompanhado do chamado interior efetivo. Mas o chamado interior do Espírito Santo sempre resulta em conversão.

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