sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Pensamentos suicidas precedem o suicídio

Uma onda de suicídios entre pastores está levando a mídia cristã a questionar qual seria a causa de líderes religiosos chegarem a um desespero tão intenso. Só em dezembro de 2017 houve três casos no Brasil. O esgotamento físico e mental e, ainda, a cobrança (muitas vezes de si mesmos) no meio eclesiástico são apontados como principais causas de uma epidemia silenciosa entre pastores.

Na última quarta-feira, 27, a pastora Lucimari Alves Barros, da Igreja do Evangelho Quadrangular, de Criciúma, Santa Catarina se suicidou, conforme consta do site GospelPrime. É o terceiro caso de suicídio de pastores no país no mês de dezembro. Os outros dois casos foram de líderes da Assembleia de Deus, Júlio Cesar (Rio de Janeiro) e Ricardo Moisés (Paraná). A pastora Aimée Chaves, usou seu perfil no Facebook para deixar uma mensagem de pesar: “Meu coração está dilacerado, pela perda dessa pastora tão amada, tão querida e dedicada a obra, que infelizmente tirou sua própria vida”.

Disse ainda que a Igreja precisa despertar para esse problema. “Com certeza não fez isso porque era fraca. Muitos de nós pastores andamos muito sozinhos, precisamos de amigos, pessoas pra desabafar, pessoas que não vão expor nossas feridas, mas nos amar e ter misericórdia, amigos para nos orientar e nos entender como ser humano, sem julgamentos, e não apenas olhar para nós como “pastores super-heróis”. Acorda Igreja, vamos parar de julgar, vamos amar mais, vamos ouvir uns aos outros sem julgamento. Eu passei pela depressão, pensei várias vezes tirar minha vida, mas tive amigos que me sustentaram em oração, amor e fé. Meu coração dói por estarmos como igreja tão longe dos nossos colegas que precisam de amor, atenção ou só de alguém para os ouvir”.

Quem também se solidarizou foi a pastora Franciele Batista. “Triste saber que muitos homens e mulheres de Deus estão desistindo da vida, pela pressão e ataques espiritual, dificuldades encontradas ao longo do caminho, sem apoio muitas vezes, sempre está presente na vida de pessoas que precisam, mas quando precisa, se vê sozinho; se sua igreja está bem, é alvo que críticas dos companheiros que, em vez de se alegrar com o crescimento, se enchem de ciúmes e torcem pra que algo de errado aconteça com o pastor, pra ver sua queda, pra se auto afirmar”, escreveu.

Também fez um desabafo: “Muitos não sabem, até pensam que vida de pastor é fácil, é boa. Não sabem a luta espiritual que enfrentam, pois não lutamos contra carne e sangue mas sim contra espíritos malignos que agem na vida das pessoas. Guerreamos contra o inferno pra atrair as pessoas a Deus”. Pediu pela intercessão da igreja pelos líderes: “Precisamos de proteção, pois enfrentamos muitas ciladas e ataques espiritual ao longo da jornada. Que Deus guarde os pastores que tem compromisso com o reino de Deus, de todo desanimo e ataques espiritual”.

Mas porque mesmo pessoas se suicidam? Estudiosos apontam várias razões pelas quais as pessoas cometem suicídio, de depressão e psicose a situações estressantes da vida. Tristeza, angustia, irritabilidade, dificuldade de concentração, alteração do sono e apetite, persistência de pensamentos negativos. Esses são sintomas compatíveis com o quadro de depressão, considerada a principal causa de suicídio no mundo. Mas, na verdade, o que leva alguém a tirar a própria vida, em última análise começa na mente. Pensamentos suicidas precedem o suicídio. Se é verdade que o cristão conhece uma arma a mais para controle da mente, por que então a súbita erupção de pastores cometendo suicídio?

A depressão está ligada a anomalias dos circuitos neuroniais dos centros de emoção do cérebro, o que tornaria as pessoas depressivas frequentemente incapazes de controlar suas emoções de maneira eficaz, por intermédio de um esforço mental.

Os pesquisadores, que recorreram a uma técnica de diagnóstico por imagem, mostraram que, diante de situações de estresse, o cérebro das pessoas que sofrem de depressão grave reage de forma muito diferente ao das pessoas que gozam de boa saúde mental.

"Experimentar sentimentos negativos frente a situações estressantes é normal", explica Tom Johnstone, pesquisador da Faculdade de Medicina da Universidade de Wisconsin-Madison (norte) e principal autor desse estudo publicado no periódico "Journal of Neuroscience", de 15 de agosto de 2007. "A incapacidade de controlar as emoções negativas e de voltar a um estado emocional normal, após uma experiência penosa, é uma característica das depressões graves", acrescenta.

Para avaliar o papel dos reguladores da emoção no cérebro das pessoas depressivas, essa equipe de psiquiatras e psicólogos observou as reações do cérebro de indivíduos normais e daqueles que sofriam de depressão, enquanto viam uma série de fotos escolhidas para provocar fortes reações emocionais negativas (cenas de acidentes ou de animais selvagens em atitudes ameaçadoras, por exemplo).

Os pesquisadores pediram aos participantes que se esforçassem para reduzir a intensidade de suas reações emocionais negativas, imaginando, por exemplo, a mesma cena, para torná-la menos perturbadora.

Chegou-se, assim, à conclusão de que os sujeitos normais podem controlar com eficácia suas emoções, por meio de um esforço mental, enquanto os indivíduos depressivos são, em geral, incapazes de fazê-lo, devido a anomalias dos circuitos neuroniais das zonas onde são fixadas as emoções.

No meio cristão, algumas pessoas olham a depressão apenas como pecado. Porém, as Escrituras, a ciência, a experiência provam o contrário. A depressão é multicausal. Pode ter a ver com pecado? Sim! Davi viu o seu vigor tornando-se em sequidão de estio por causa de pecado escondido. Pode ter relação com ação maligna? Pode! Há muitas pessoas lidando com terríveis crises de depressão, em virtude de perigosos envolvimentos com o maligno e suas hostes. É necessário perguntar: um cristão verdadeiro pode ter depressão? Sim! Acontece de um cristão verdadeiro se suicidar? Se você quer saber o que eu penso a respeito, sugiro a leitura de outro post. Clique aqui.  

O escritor reformado John Piper, em seu livro "O sorriso escondido de Deus" menciona três homens de Deus, cheios do Espírito Santo, que tiveram severas crises de depressão. Quem eram esses homens? David Brainerd, um dos missionários mais piedosos do século XVIII; John Bunyan, pregador preso quatorze anos na Inglaterra por pregar em praça pública, autor do livro mais lido no mundo depois da Bíblia (O Peregrino); William Cowper, compositor cristão, que em virtude de suas terríveis crises de depressão, chegou ao ponto de tentar suicídio. O maior pregador do século XIX, Charles H. Spurgeon tinha crises de depressão.

A ciência prova, de forma incontestável, que a depressão é uma doença e que como tal deve ser tratada. Esse é o posicionamento da Organização Mundial de Saúde. Quem lida com pessoas depressivas na família ou na igreja sabem que, às vezes, apenas "espiritualizar" esse assunto, tratando-o apenas como pecado, e não como uma doença pode agravar ainda mais a situação.

Toda ciência é de Deus, porque o mesmo autor das Escrituras é o autor da ciência. Portanto, aqueles que estão fundamentados nas Escrituras não lançam fora a ciência, em nome da fé. Em virtude disso, precisamos ter claro que a depressão, de fato, deve ser tratada com remédio, terapia e fé. Reafirmamos, de forma peremptória, nossa convicção de que há esperança para aqueles que enfrentam a depressão e nós, servos de Deus, devemos lidar com essas pessoas aflitas, mesmo que sejam nossos líderes, com o máximo de cuidado e amor, orientando-as a seguirem o melhor tratamento médico, estando ao lado delas para consolá-las nas Escrituras e orando para que Deus tire a sua alma do cárcere!

Ao vencer a depressão, a pessoa passa a ter maior controle sobre a mente, evitando pensamentos suicidas. Entretanto, para vencer de fato essa batalha, além dos tratamentos médico e emocional, é preciso lembrar que as Escrituras também nos instruem a ter controle e domínio espiritual sobre a mente. "As armas com as quais lutamos não são humanas; ao contrário, são poderosas em Deus para destruir fortalezas. Destruímos argumentos e toda pretensão que se levanta contra o conhecimento de Deus, e levamos cativo todo pensamento, para torná-lo obediente a Cristo." (2 Coríntios 10:4-5). Este é um recurso a mais que o servo de Cristo possui. Ninguém pode tirar seus pensamentos cativos de você, mas você pode levá-los em cativeiro a Cristo.

quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

O que a predestinação faz com o evangelismo?


O que a predestinação faz com o evangelismo?

Esta pergunta levanta graves preocupações a respeito da missão da Igreja. É particularmente pesada para cristãos evangélicos. Se a salvação pessoal é decidida anteriormente, por um imutável decreto divino, qual é o sentido ou urgência do trabalho de evangelismo?

Nunca me esquecerei da terrível experiência de ser interrogado neste ponto pelo Dr. John Gerstner numa aula de seminário. Havia cerca de vinte de nós sentados em semicírculo numa sala de aula. Ele formulou a pergunta: “Muito bem, cavalheiros, se Deus soberanamente decretou a eleição e a reprovação desde toda a eternidade, por que estaríamos preocupados a respeito do evangelismo?”

Dei um suspiro de alívio quando Gerstner começou seu interrogatório pela ponta esquerda do semicírculo, uma vez que eu estava sentado na última cadeira à direita. Confortei-me com a esperança de que a pergunta nunca chegaria perto de mim.

O conforto foi de curta duração. O primeiro aluno replicou à pergunta de Gerstner: “Não sei, senhor. Essa pergunta sempre me perturbou”. O segundo estudante disse: “Desisto”. O terceiro estudante somente moveu a cabeça e baixou seu olhar para o chão. Em rápida sucessão, os estudantes todos passaram adiante a questão. Os dominós estavam caindo em minha direção.

“Bem, Sr. Sproul, como você responderia?” Eu queria desaparecer no ar, ou encontrar um lugar para me esconder nas tábuas do chão, mas não havia escapatória. Hesitei e balbuciei uma resposta. O Dr. Gerstner disse: “Fale!” Tentando me exprimir, eu disse: “Bem, Dr. Gerstner, sei que esta não é a resposta que o senhor está procurando, mas uma pequena razão pela qual devemos ainda estar preocupados com o evangelismo é que, bem, o senhor sabe, apesar de tudo, Jesus nos ordena que evangelizemos."

Os olhos de Gerstner começaram a inflamar-se. Ele disse: “Ah, entendo, Sr. Sproul! Uma pequena razão é que o seu Salvador, o Senhor da Glória, o Rei dos reis, ordenou isso. Uma pequena razão, Sr. Sproul? É quase insignificante para você que o mesmo Deus soberano, que soberanamente decreta sua eleição, também ordena soberanamente seu envolvimento na tarefa do evangelismo?” Como eu desejaria nunca ter usado a palavra pequena! Entendi o ponto de Gerstner.

Evangelismo é nosso dever. Deus ordenou. Isso deveria ser suficiente para encerrar a questão. Mas há mais. Evangelismo não é somente um dever; é também um privilégio. Deus nos permite participar da maior obra da história humana, a obra da redenção. Ouça o que Paulo diz sobre isso. Ele acrescenta o capítulo 10 ao seu famoso capítulo 9 de Romanos.

Todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo. Como, porém, invocarão aquele em quem não creram? E como crerão naquele de quem nada ouviram? E como ouvirão se não há quem pregue? E como pregarão se não foram enviados? Como está escrito: Quão formosos sãos os pés dos que anunciam coisas boas! (Rm 10.13-15).

Notamos a lógica da progressão de Paulo aqui. Ele lista uma série de condições necessárias para as pessoas serem salvas. Sem que se enviem, não há pregadores. Sem pregadores, não há pregação. Sem pregação, ninguém ouve o Evangelho. Sem ouvir o Evangelho, ninguém crê no Evangelho. Sem crer no Evangelho, ninguém invocará a Deus por salvação. Sem invocar a Deus por salvação, não há salvação.

Deus não somente preordena o fim da salvação para os eleitos, Ele também preordena o meio para aquele fim. Deus escolheu a loucura da pregação como o meio para obter a redenção. Suponho que Ele poderia ter estabelecido seu propósito divino sem nós. Ele poderia ter publicado seu Evangelho nas nuvens, usando seu santo dedo para escrever no céu. Poderia, Ele mesmo, pregar o Evangelho, com sua própria voz, gritando do céu. Mas essa não é sua escolha.

É um privilégio maravilhoso ser usado por Deus em seu plano de redenção. Paulo apela para uma passagem do Antigo Testamento, em que fala da beleza dos pés que trazem boas-novas e publicam a paz.

Que formosos são sobre os montes os pés do que anuncia as boas novas, que faz ouvir a paz, que anuncia coisas boas, que faz ouvir a salvação, que diz a Sião: O teu Deus reina! Eis o grito dos teus atalaias! Eles erguem a voz, juntamente exultam; porque com seus próprios olhos distintamente veem o retorno do Senhor a Sião. Rompei em júbilo, exultai a uma, ó ruínas de Jerusalém; porque o Senhor consolou o seu povo, remiu a Jerusalém. (Is 52.7-9).

No mundo antigo, noticias de batalhas e outros acontecimentos cruciais eram levados por corredores. A maratona moderna deve seu nome à Batalha de Maratona, por causa da resistência do mensageiro que levou as notícias do resultado para seu povo, na cidade natal.

Vigias eram colocados para observar os mensageiros que se aproximavam. Seus olhos eram aguçados e treinados para distinguir as sutis nuanças dos passos dos corredores que se aproximavam. Os que traziam más noticias aproximavam-se com pés pesados. Os corredores que traziam boas notícias aproximavam-se velozmente, com pés ligeiros na areia. Seus passos revelavam sua excitação. Para o vigia, a visão de um corredor aproximando-se a distância com seus pés voando sobre as montanhas era uma visão esplêndida de se contemplar.

Assim, a Bíblia nos fala da beleza dos pés daqueles que nos trazem as boas-novas. Quando minha filha nasceu, e o médico veio até a sala de espera para anunciar, eu queria abraçá-lo. Somos favoravelmente inclinados àqueles que nos trazem boas noticias. Sempre terei um lugar especial nas minhas afeições para o homem que primeiro me falou de Cristo. Eu sei que foi Deus quem me salvou, e não aquele homem, mas ainda assim aprecio o papel daquele homem na minha salvação.

Levar pessoas a Cristo é uma das maiores bênçãos pessoais que desfrutamos. Ser um calvinista não tira a alegria dessa experiência. Historicamente, os calvinistas têm sido fortemente ativos no evangelismo e nas missões mundiais. Temos somente que mencionar Edwards e Whitefield e o Grande Avivamento para ilustrar este ponto.

Temos um papel significativo a desempenhar no evangelismo. Pregamos e proclamamos o Evangelho. Esse é nosso dever e nosso privilégio. Mas é Deus quem traz o crescimento. Ele não precisa de nós para cumprir seu propósito, mas Ele se agrada de nos usar nessa tarefa.

Uma vez encontrei um evangelista viajante que me disse: “Dê-me um homem sozinho por quinze minutos, e eu conseguirei uma decisão por Cristo.” Tristemente, o homem cria realmente em suas próprias palavras. Ele estava convencido de que o poder da conversão estava somente em seus poderes de persuasão.

Não duvido de que o homem estava baseando sua alegação em seu registro do passado. Ele era tão arrogante que estou certo de que houve multidões que fizeram decisão por Cristo nos quinze minutos que ficaram sozinhos com ele. É claro, ele podia cumprir sua promessa de produzir uma decisão em quinze minutos. O que ele não podia garantir era uma conversão em quinze minutos. As pessoas faziam decisão só para ficarem livres dele.

Nunca devemos subestimar a importância de nosso papel no evangelismo. Também não podemos superestimá-lo. Nós pregamos. Damos testemunho. Fornecemos o chamado exterior. Mas só Deus tem o poder de chamar uma pessoa para si mesmo interiormente. Não me sinto traído por isso. Ao contrário, sinto-me confortado. Precisamos fazer nosso trabalho confiando que Deus fará o dele.

Por R.C. Sproul

domingo, 17 de dezembro de 2017

Um brevíssimo conselho aos militantes anti-calvinistas

Existe um movimento pequeno, mas irritante, que tem ecoado na web e redes sociais, acerca do qual eu gostaria de comentar. Trata-se da “apologética anti-calvinista” ou ainda, arminianismo militante. Sua agenda consiste em falar mal de Calvino e dos calvinistas, manipular fatos históricos para desmerecer o esforço dos grandes teólogos do passado, hostilizar a tradição reformada, fazer guerra de versículos e ojerizar a CPAD por publicar livros de autores calvinistas como J.I. Packer, D.A. Carson e John MacArthur.

Nos últimos dias, tenho lido algumas refutações ao calvinismo que, para ser honesto, são no mínimo infantis. Penso que para refutar uma doutrina histórica tão importante é preciso ao menos ter conhecimento da sua doutrina e ter lido ao menos algumas das principais obras reformadas para, a partir de então, refutar o que o calvinismo/teologia reformada diz, e não o que alguém supõe que ela diz.

Conheço os dois lados da moeda, tendo lido as principais sistemáticas arminianas em português e espanhol. Além disso, fui arminiano e dispensacionalista no passado. Apesar disso, poucas vezes em minha vida me levantei contra o arminianismo e quando o fiz, foi a minha imaturidade falando por mim (e ainda me envergonho disso). Há muito do arminianismo que me falta conhecer, como por exemplo, a obra de John Wesley, a qual tenho me esforçado por estudar nos últimos anos. Creia-me, o conhecimento que tenho como estudioso do arminianismo (“in loco“, e não lendo referencias cruzadas em minhas obras calvinistas prediletas) não me faz especialista no assunto!

Eu não me dedico a fazer propaganda contra o arminianismo. Prefiro anunciar as verdades que creio, reverberando as maravilhosas doutrinas da graça. Talvez por isso mesmo não entenda a petulância disfarçada de apologética de alguns “mestres” arminianos em falar daquilo que não entendem, de que nunca leram (in loco), apenas ouviram falar.

Meu conselho a estes é: Estudem. Leiam obras reformadas (Mattew Henry, Berkhof, Hodge, Bavink, Ryrie, Montgomery, Grudem, Sproul, Carson, etc), dialoguem com o texto destes autores e depois, se ainda discordarem, tragam suas argumentações ao debate! Uma apologética assim é bonita de se ver! Se não puder fazer isso, então melhor não falar nada. Deixe o espantalho no armário e resista a tentação de parecer o intelectual que você não é.

Quem escreve é um leitor de Wesley, Guy P. Duffield, Nathaniel M. Van Cleave, A.W. Tozer. C.S. Lewis, D.L. Moody, Myer Pearlman, Stanley Horton, Norman Geisler e William Menzies, entre outros, e que nem por isso se acha especialista em coisa nenhuma e nem perde tempo dizendo que arminianismo é coisa do demônio.

Por Leonardo Gonçalves

segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Hoje, deixei de ler a minha Bíblia

Após a minha conversão em 1977 passei a dedicar diariamente horas para a leitura da Bíblia e oração. Eu tinha um diário onde anotava as minhas experiências espirituais todos os dias. Durante alguns anos registrei nesse diário as minhas histórias de fracasso, vitórias, frustações e descobertas como cristão. Uma das lições que aprendi cedo, e que ficou registrada no diário, foi que quando eu parava de ler a Bíblia, meditar nela e orar a Deus, o pecado remanescente em meu coração ganhava poder sobre minha vontade e sobre minhas decisões. Vez após vez escrevi sobre esse fato. Não poucas vezes registrei a frase que é o título dessa mensagem. Quanto mais tempo eu passava sem ler a Bíblia e orar, mais difícil era retomar à prática diária e mais endurecido meu coração ficava. Aquela mentalidade espiritual tão necessária se perdia aos poucos. Eu perdia o poder espiritual necessário para a santificação. Por outro lado, quando eu mantinha regularmente a disciplina da oração e leitura bíblica, o deleite em Deus e a compreensão do mundo a partir das Escrituras cresciam exponencialmente.

Hoje, tantos anos após aquelas experiências, mesmo sendo um cristão maduro e experimentado, reconheço a veracidade daquela lição aprendida no começo da minha vida cristã. Como pastor, aprendi essa verdade de maneira ainda mais profunda. Pastores são muito tentados a negligenciar a vida devocional pessoal.

Primeiro, existem as muitas demandas do ministério, que por vezes o levam a trabalhar manhã, tarde e noite, todos os dias da semana. O mesmo pode ser dito de muitos dos membros da igreja que não são pastores, mas que são muito envolvidos em seus trabalhos. Segundo, existe a tentação de substituir o tempo devocional pelo tempo de preparação de estudos e sermões. Mas, simplesmente não é a mesma coisa. Ler comentários e livros de teologia sistemática não substituem ler a Palavra e deixar que Deus fale através dela. Terceiro, existe a tentação do pastor pensar que tem tudo sob controle e que não precisa da graça e do poder de Deus para seu trabalho pastoral. Ele jamais diria isso abertamente – mas é uma tentação muito sutil e que o pastor acaba disfarçando pelo seu ativismo.

Segundo domingo de dezembro, Dia da Bíblia
O pastor que não mantém uma vida regular de leitura bíblica e oração não terá uma mentalidade espiritual e bíblica diante dos problemas e aconselhamentos que tiver de enfrentar. Também lhe faltará o fruto do Espírito e um caráter cristão aprovado. Pode ser que essas coisas não fiquem claras para a Igreja onde ele pastoreia. Pastores tendem a disfarçar o verdadeiro estado de seu coração em público. Por isso, geralmente os efeitos começam em casa, no relacionamento com a esposa e com os filhos, nas explosões de raiva e nas decisões egoístas, na indiferença para com a esposa e filhos, no tempo gasto diante da televisão ou das mídias sociais.

Pastores, façam da piedade pessoal diária uma das prioridades de seu ministério. Igrejas, ajudem seus pastores nisso, orando por eles e entendendo que o tempo que ele gasta diante da Bíblia e em oração faz parte integral do seu trabalho como pastor. Para muitos membros de igrejas, pastores só estão trabalhando se estiverem visitando, pregando ou aconselhando.

“Obedecei aos vossos guias e sede submissos para com eles; pois velam por vossa alma, como quem deve prestar contas, para que façam isto com alegria e não gemendo; porque isto não aproveita a vós outros.” (Hb 13.17)

Por Augustus Nicodemus

terça-feira, 5 de dezembro de 2017

Teologia Relacional: um novo deus no mercado

As ondas gigantes que provocaram a tremenda catástrofe na Ásia no final de dezembro de 2004 afetaram também os arraiais evangélicos, levantando perguntas acerca de Deus, seu caráter, seu poder, seu conhecimento, seus sentimentos e seu relacionamento com o mundo e as pessoas diante de tragédias como aquela. Dentre as diferentes respostas a essas perguntas, uma chama a atenção pela ousadia de suas afirmações: Deus sofreu muito com a tragédia e certamente não a havia determinado ou previsto; ele simplesmente não pôde evitá-la, pois Deus não conhece o futuro, não controla ou guia a história, e não tem poder para fazer aquilo que gostaria. Esta é a concepção de Deus defendida por um movimento teológico conhecido como teologia relacional, ou ainda, teísmo aberto ou teologia da abertura de Deus.

A teologia relacional, como movimento, teve início em décadas recentes, embora seus conceitos sejam bem antigos. Ela ganhou popularidade por meio de escritores norte-americanos como Greg Boyd, John Sanders e Clark Pinnock. No Brasil, estas idéias têm sido assimiladas e difundidas por alguns líderes evangélicos, às vezes de forma aberta e explícita.

A teologia relacional considera a concepção tradicional de Deus como inadequada, ultrapassada e insuficiente para explicar a realidade, especialmente catástrofes como o tsunami de dezembro de 2004, e se apresenta como uma nova visão sobre Deus e sua maneira de se relacionar com a criação. Seus pontos principais podem ser resumidos desta forma:

1. O atributo mais importante de Deus é o amor. Todos os demais estão subordinados a este. Isto significa que Deus é sensível e se comove com os dramas de suas criaturas.

2. Deus não é soberano. Só pode haver real relacionamento entre Deus e suas criaturas se estas tiverem, de fato, capacidade e liberdade para cooperarem ou contrariarem os desígnios últimos de Deus. Deus abriu mão de sua soberania para que isto ocorresse. Portanto, ele é incapaz de realizar tudo o que deseja, como impedir tragédias e erradicar o mal. Contudo, ele acaba se adequando às decisões humanas e, ao final, vai obter seus objetivos eternos, pois redesenha a história de acordo com estas decisões.

3. Deus ignora o futuro, pois ele vive no tempo, e não fora dele. Ele aprende com o passar do tempo. O futuro é determinado pela combinação do que Deus e suas criaturas decidem fazer. Neste sentido, o futuro inexiste, pois os seres humanos são absolutamente livres para decidir o que quiserem e Deus não sabe antecipadamente que decisão uma determinada pessoa haverá de tomar num determinado momento.

4. Deus se arrisca. Ao criar seres racionais livres, Deus estava se arriscando, pois não sabia qual seria a decisão dos anjos e de Adão e Eva. E continua a se arriscar diariamente. Deus corre riscos porque ama suas criaturas, respeita a liberdade delas e deseja relacionar-se com elas de forma significativa.

5. Deus é vulnerável. Ele é passível de sofrimento e de erros em seus conselhos e orientações. Em seu relacionamento com o homem, seus planos podem ser frustrados. Ele se frustra e expressa esta frustração quando os seres humanos não fazem o que ele gostaria.

6. Deus muda. Ele é imutável apenas em sua essência, mas muda de planos e até mesmo se arrepende de decisões tomadas. Ele muda de acordo com as decisões de suas criaturas, ao reagir a elas. Os textos bíblicos que falam do arrependimento de Deus não devem ser interpretados de forma figurada. Eles expressam o que realmente acontece com Deus.

Estes conceitos sobre Deus decorrem da lógica adotada pela teologia relacional quanto ao conceito da liberdade plena do homem, que é o ponto doutrinário central da sua estrutura, a sua “menina dos olhos”. De acordo com a teologia relacional, para que o homem tenha realmente pleno livre arbítrio suas decisões não podem sofrer qualquer tipo de influência externa ou interna. Portanto, Deus não pode ter decretado estas decisões e nem mesmo tê-las conhecido antecipadamente. Desta forma, a teologia relacional rejeita não somente o conceito de que Deus preordenou todas as coisas (calvinismo) como também o conceito de que Deus sabe todas as coisas antecipadamente (arminianismo tradicional). Neste sentido, o assunto deve ser entendido, não como uma discussão entre calvinistas e arminianos, mas destes dois contra a teologia relacional. Vários líderes calvinistas e arminianos no âmbito mundial têm considerado esta visão da teologia relacional como alheia ao cristianismo.

A teologia relacional traz um forte apelo a alguns evangélicos, pois diz que Deus está mais próximo de nós e se relaciona mais significativamente conosco do que tem sido apresentado pela teologia tradicional. Segundo os teólogos relacionais, o cristianismo histórico tem apresentado um Deus impassível, que não se sensibiliza com os dramas de suas criaturas. A teologia relacional, por sua vez, pretende apresentar um Deus mais humano, que constrói o futuro mediante o relacionamento com suas criaturas. Os seres humanos são, dessa forma, co-participantes com Deus na construção do futuro, podendo, na verdade, determiná-lo por suas atitudes.

Contudo, a teologia relacional não é novidade. Ela tem raízes em conceitos antigos de filósofos gregos, no socinianismo (que negava exatamente que Deus conhecia o futuro, pois atos livres não podem ser preditos) e especialmente em ideologias modernas, como a teologia do processo. O que ela tem de novo é que virou um movimento teológico composto de escritores e teólogos que se uniram em torno dos pontos comuns e estão dispostos a persuadir a igreja cristã a abandonar seu conceito tradicional de Deus e a convencê-la que esta “nova” visão de Deus é evangélica e bíblica.

Mesmo tendo surgido como uma reação a uma possível ênfase exagerada na impassividade e transcendência de Deus, a teologia relacional acaba sendo um problema para a igreja evangélica, especialmente em seu conceito sobre Deus. Embora os evangélicos tenham divergências profundas em algumas questões, reformados, arminianos, wesleyanos, pentecostais, tradicionais, neopentecostais e outros, todos concordam, no mínimo, que Deus conhece todas as coisas, que é onipotente e soberano. Entretanto, o Deus da teologia relacional é totalmente diferente daquele da teologia cristã. Não se pode afirmar que os adeptos da teologia relacional não são cristãos, mas que o conceito que eles têm de Deus é, no mínimo, estranho ao cristianismo histórico.

Ao declarar que o atributo mais importante de Deus é o amor, a teologia relacional perde o equilíbrio entre as qualidades de Deus apresentadas na Bíblia, dentre as quais o amor é apenas uma delas. Ao dizer que Deus ignora o futuro, é vulnerável e mutável, deixa sem explicação adequada dezenas de passagens bíblicas que falam da soberania, do senhorio, da onipotência e da onisciência de Deus (Is 46.10a; Jó 28; Jó 42.2; Sl 90; Sl 139; Rm 8.29; Ef 1; Tg 1.17; Ml 3.6; Gn 17.1 etc). Ao dizer que Deus não sabia qual a decisão de Adão e Eva no Éden, e que mesmo assim arriscou-se em criá-los com livre arbítrio, a teologia relacional o transforma num ser irresponsável. Ao falar do homem como co-construtor de Deus de um futuro que inexiste, a teologia relacional esquece tudo o que a Bíblia ensina sobre a queda e a corrupção do homem. Ao fim, parece-nos que na tentativa extrema de resguardar a plena liberdade do arbítrio humano, a teologia relacional está disposta a sacrificar a divindade de Deus. Ao limitar sua soberania e seu pleno conhecimento, entroniza o homem livre, todo-poderoso, no trono do universo, e desta forma, deixa-nos o desespero como única alternativa diante das tragédias e catástrofes deste mundo e o ceticismo como única atitude diante da realidade do mal no universo, roubando-nos o final feliz prometido na Bíblia. Pois, afinal, poderá este Deus ignorante, fraco, mutável, vulnerável e limitado cumprir tudo o que prometeu?

Com certeza a visão tradicional de Deus adotada pelo cristianismo histórico por séculos não é capaz de responder exaustivamente a todos os questionamentos sobre o ser e os planos de Deus. Ela própria é a primeira a admitir este ponto. Contudo, é preferível permanecer com perguntas não respondidas a aceitar respostas que contrariem conceitos claros das Escrituras. Como já havia declarado Jó há milênios (42.2,3): “Bem sei que tudo podes, e nenhum dos teus planos pode ser frustrado. Quem é aquele, como disseste, que sem conhecimento encobre o conselho? Na verdade, falei do que não entendia; cousas maravilhosas demais para mim, coisas que eu não conhecia.”

Por Augustus Nicodemus Lopes

segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Para entender a fé

"Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus." (Ef 2:8)

Uma afirmação que incomoda alguns arminianos é a de que a fé é um dom de Deus. Pois sendo a fé um dom de Deus, torna sem sentido o argumento da eleição pela fé prevista: Deus escolheria para a salvação aqueles a quem decidiu dar a fé, o que o tornaria igualmente parcial ao não dar a fé a todos. Por isso, são forçados a afirmar que a fé não é um dom de Deus, e para demonstrar isso recorrem a Efésios 2:8.

O argumento é o seguinte: o pronome demonstrativo τουτο ("isto") é do gênero neutro e portanto não pode referir-se a πιστεως ("fé") que é do gênero feminino. E nisto eles estão cobertos de razão. Mas precisa ser dito, também, que "isto" não pode se referir tampouco à graça, pois χαριτι também é feminino. Até mesmo salvação não poderia ser a referência de "isto", porque σωτηριας é igualmente feminino, além de que a forma aqui é verbal. Claramente, então, "isto" se refere à ideia ou ato da salvação como um todo, incluindo a fé, expressa na cláusula "pela graça sois salvos, mediante a fé". Ou seja, embora o pronome não se refira diretamente a fé, a inclui com tudo o mais que é necessário para o "sois salvos", que é um dom de Deus.

Mesmo se dependêssemos apenas dessa passagem para afirmar que a fé é um dom de Deus, não estaríamos desamparados, como vimos. Porém, esta verdade é corroborada por outras passagens, formando uma doutrina consistente com o ensino geral das Escrituras.

Por exemplo, Tiago afirma que "toda a boa dádiva e todo o dom perfeito vem do alto, descendo do Pai das luzes" (Tg 1:17), reforçado por Pedro que escreve "o seu divino poder nos deu tudo o que diz respeito à vida e piedade" (2Pe 1:3) a ponto de Paulo perguntar "que tens tu que não tenhas recebido? E, se o recebeste, porque te glorias como se não o houveras recebido?" (1Co 4:7). E isto certamente inclui a fé.

Ademais, a Bíblia afirma que "a fé vem pelo ouvir" (Jo 10:17), indicando que antes da pregação do evangelho não há fé no homem. Aos romanos Paulo fala "da fé que Deus repartiu a cada um" (Rm 12:3), aos efésios da "fé da parte de Deus Pai" (Ef 6:23) e aos filipenses disse "a vós vos foi concedido, em relação a Cristo, não somente crer nele, como também padecer por ele" (Fl 1:29).

Concluímos que conceber a fé como um presente do homem a Deus e não um dom de Deus aos homens é desconsiderar o que a Bíblia diz a respeito do assunto é querer enquadrar a Escritura em nosso sistema teológico.

Se ainda não ficou claro, sugiro a leitura do texto A fé é um dom de Deus  

A fé é um dom de Deus

“Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus” ( Ef 2:8 )

Introdução

Da má leitura deste verso surgiu o embate entre calvinistas e arminianistas sobre a natureza da ‘fé’ apresentada pelo apóstolo Paulo como 'dom de Deus', pois os arminianistas alegam que a fé é algo que o homem decide ter com base no livre-arbítrio e os calvinistas contrapõem dizendo que a fé é algo que soberanamente Deus dá ao homem.

Qual dos seguimentos doutrinários está com a razão? Ou será que ambos seguimentos estão equivocados?

A Fé

Na carta aos Gálatas, o apóstolo Paulo nos diz que Cristo é a ‘fé’ que havia de se manifestar, pois ele faz referência à fé como sendo aquele que estava por vir e, que ao seu tempo, veio e se tornou manifesto aos homens “Mas, antes que a fé viesse, estávamos guardados debaixo da lei, e encerrados para aquela fé que se havia de manifestar (…) Mas, depois que veio a fé, já não estamos debaixo de aio” ( Gl 3:23-25).

Ou seja, o apóstolo apresenta a fé, não como uma disposição interna do indivíduo, tais como: sentimento, talento, prenda, aptidão, faculdade, capacidade ou habilidade, antes a fé é apresentada como um ente personificado, como se lê a seguir: “Trazendo à memória a fé não fingida que em ti há, a qual habitou primeiro em tua avó Lóide, e em tua mãe Eunice, e estou certo de que também habita em ti” ( 2Tm 1:5 ).

O apóstolo fez referência à fé como sendo alguém que, primeiramente habitou na avó e na mãe de Timóteo e, concomitantemente, habitava em Timóteo. Ora, o único que possui a prerrogativa de ‘habitar’ os corações dos homens e é onipresente é Deus, pois Ele mesmo disse: “Porque assim diz o Alto e o Sublime, que habita na eternidade, e cujo nome é Santo: Num alto e santo lugar habito; como também com o contrito e abatido de espírito, para vivificar o espírito dos abatidos, e para vivificar o coração dos contritos” ( Is 57:15 ).

Jesus, ao alertar os discípulos sobre o dever de guardar a sua palavra enfatizou que faria neles morada, de modo que Cristo é a fé que havia de vir, segundo o que foi anunciado pelos profetas, veio na plenitude dos tempos e, que concomitantemente passou a habitava em Lóide, Eunice e Timóteo “Jesus respondeu, e disse-lhe: Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e meu Pai o amará, e viremos para ele, e faremos nele morada” ( Jo 14:23; Gl 3:23 -25).

Jesus, ao falar com a mulher samaritana, disse que, se ela conhecesse o dom de Deus, identificaria quem estava pedindo água do poço de Jacó ( Jo 4:10 ). Ou seja, o dom de Deus não diz de um sentimento, talento, prenda, aptidão, faculdade, capacidade, habilidade, ou uma pré-disposição ‘específica’ de acreditar em algo.

Quando lemos que ‘O justo viverá da fé’ ( Hb 2:4 ), ou que ‘o homem não viverá de pão, mas de tudo que sai da boca do Senhor viverá o homem’ ( Dt 8:3 ), o termo ‘fé’, e a frase ‘o que procede da boca do Senhor’ referem-se a Cristo, autor e consumador da fé, a ‘fé’ que havia de se manifestar, a ‘palavra de Deus’ que se fez carne e habitou entre os homens ( 1Jo 1:1 -3).

Quando se analisa o capítulo 1 da carta de Paulo aos Romanos, o apóstolo Paulo cita Habacuque 2:8 ao afirmar que o evangelho é ‘poder de Deus’ e ‘justiça de Deus’. Ele é claro ao dizer: não me envergonho do evangelho, pois é poder de Deus para salvação dos que creem e, que no evangelho é que se descobre a justiça de Deus.

No verso 1 do capítulo 1 da carta aos Romanos, o apóstolo destacou que foi chamado por Deus para ser apóstolo e separado para o evangelho, e no verso 5 nomeia o evangelho de ‘fé’, quando diz ‘obediência da fé’, ou seja, obediência do evangelho. No verso 8 o apóstolo utiliza o termo ‘fé’ para fazer referência novamente ao evangelho: em todo mundo é anunciada a vossa fé, pois o que é anunciado diz das boas novas do evangelho.

No verso 9 o apóstolo Paulo diz servir a Deus através do ‘evangelho do seu Filho’, e que desejava ver os cristãos de Roma para poder compartilhar algum ‘dom espiritual’ de modo que fossem confortados. Que dom seria este? A ‘fé’ mutua apresentada no verso 12, pois ele desejava anunciar o evangelho também em Roma (v. 15), a ‘fé’ que é salvação, o dom de Deus, a palavra que se fez carne.

Incorrerá em equivoco qualquer que ler nas Escrituras o termo ‘fé’ levando em conta o significado do termo que há nos dicionários, pois o termo fé quando empregado nas Escrituras (em muitos dos casos) deve ser analisado levando em conta a figura de linguagem utilizada.

Uma das figuras de linguagem utilizada é denominada ‘metonímia’ ou ‘transnominação’, que consiste no emprego de um termo substituindo outro, dada a relação de semelhança ou a possibilidade de associação entre eles. Ex: Quando Judas diz que o cristão deve batalhar pela ‘fé’ que uma vez foi dada aos santos, o termo ‘fé’ substitui a ideia de ‘evangelho’, dada a possibilidade de associação entre os termos, tendo em vista que o evangelho é a causa da crença (fé), e a fé (crença) consequência do evangelho ( Jd 1:3 ).

Em Hebreus 12, verso 2 Cristo é a ‘fé’ que havia de se manifestar, visto que Cristo é o tema central da mensagem do evangelho e, concomitantemente, o autor e consumador da ‘fé’ (evangelho), ou seja, substituir a obra (fé) pelo autor (Cristo), pois Cristo é o autor e consumador da fé ( Hb 12:2 ), é o recurso denominado metonímia pela gramática moderna, empregado pelo apóstolo dos gentios quando redigiu a carta.

Sois salvos pela Fé

Quando se lê que ‘pela graça sois salvos’, o interprete deve considerar que a graça é termo utilizado para fazer referência ao favor imerecido e gratuito proveniente da misericórdia de Deus. Porém, é em Cristo que graça de Deus é manifesta “E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós, e vimos a sua glória, como a glória do unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade” ( Jo 1:14 ); “Porque a lei foi dada por Moisés; a graça e a verdade vieram por Jesus Cristo” ( Jo 1:17 ); “Sendo justificados gratuitamente pela sua graça, pela redenção que há em Cristo Jesus” ( Rm 3:24 ).

Através de Cristo, que é a fé manifesta, os homens têm acesso à graça, ao favor imerecido de Deus “Portanto, é pela fé, para que seja segundo a graça, a fim de que a promessa seja firme a toda a posteridade, não somente à que é da lei, mas também à que é da fé que teve Abraão, o qual é pai de todos nós” ( Rm 4:16 ).

Por que graça? Porque na graça fica implícita as nuances essenciais ao resgate da humanidade: Cristo como o Verbo de Deus deixou a sua glória para tornar-se homem. A graça diz do fato de Cristo sendo rico ter se feito pobre, para que pela sua pobreza os que creem tornassem ricos “Porque já sabeis a graça de nosso Senhor Jesus Cristo que, sendo rico, por amor de vós se fez pobre; para que pela sua pobreza enriquecêsseis” ( 2Co 8:9 ).

Qual foi a promessa que Abraão teve? A fé que havia de se manifestar, ou seja, o Descendente prometido em quem todas as famílias da terra seriam bem-aventuradas. É graça porque é gratuito, sem qualquer obra proveniente da lei “Ora, àquele que faz qualquer obra não lhe é imputado o galardão segundo a graça, mas segundo a dívida” ( Rm 4:4 ); “Mas se é por graça, já não é pelas obras; de outra maneira, a graça já não é graça. Se, porém, é pelas obras, já não é mais graça; de outra maneira a obra já não é obra” ( Rm 11:6 ).

Para ser salvo gratuitamente por Deus basta crer em Cristo. Quando o homem crê recebe poder para ser feito filho de Deus ( Jo 1:12 ). Crer em Cristo, que é a fé manifesta é ter entrada por Ele à graça de Deus “Pelo qual também temos entrada pela fé a esta graça, na qual (fé) estamos firmes, e nos gloriamos na esperança da glória de Deus” ( Rm 5:2 ); “Mas não é assim o dom gratuito como a ofensa. Porque, se pela ofensa de um morreram muitos, muito mais a graça de Deus, e o dom pela graça, que é de um só homem, Jesus Cristo, abundou sobre muitos” ( Rm 5:15 ).

Cristo é a palavra de Deus encarnada e tudo o que Cristo anunciou foi o que ouviu do Pai, portanto, a graça é proveniente dos lábios de Cristo, sendo Ele mediador entre Deus e os homens. Cristo é mais formoso do que os filhos dos homens, pois foi declarado Filho de Deus em poder pela ressurreição dentre os mortos “Tu és mais formoso do que os filhos dos homens; a graça se derramou em teus lábios; por isso Deus te abençoou para sempre” ( Sl 45:2 ).

O homem é salvo por meio de Cristo, pois não há outro mediador entre Deus e os homens ( 1Tm 2:5 ). Não há outro nome pelo qual devamos ser salvos ( At 4:12 ); “Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus” ( Ef 2:8 ); “E a graça de nosso Senhor superabundou com a fé e amor que há em Jesus Cristo” ( ITm 1:14 ), pois só há fé e amor em Jesus Cristo.

A Fé é diferente de confiança

O maior problema daqueles que não se apercebem que o termo evangelho muitas vezes é substituído pelos termos: fé, poder, obediência, palavra, cruz de Cristo, palavra da cruz, pregação, etc., é que não conseguem distinguir onde o texto bíblico faz referencia a ‘fé’ como dom de Deus, que é Cristo, e ‘fé’ como crer, acreditar, ter confiança.

Quando lemos: “E muitos mais creram nele, por causa da sua palavra” ( Jo 4:41 ), verifica-se que a palavra de Cristo é o que produz no homem confiança, e não o contrário. Ou seja, muitos creram em Cristo, a fé que foi manifesta ( Gl 3:23), por causa da sua palavra. A palavra foi a causa da crença, pois sendo fiel e verdadeira, a palavra de Cristo contém os elementos essenciais para que se creia n’Ele.

Jesus repreendeu os discípulos que estavam no caminho de Emaús por não crerem nas escrituras: “E ele lhes disse: Ó néscios, e tardos de coração para crer tudo o que os profetas disseram!” ( Lc 24:25 ).

De igual modo, quando lemos: “Para lhes abrires os olhos, e das trevas os converteres à luz, e do poder de Satanás a Deus; a fim de que recebam a remissão de pecados, e herança entre os que são santificados pela fé em mim” ( At 26:18 ), a frase: ‘pela fé em mim’ assume a ideia de confiança em Cristo, o autor e consumador da fé, pois Ele é a fé que se manifestou “Mas, antes que a fé viesse, estávamos guardados debaixo da lei, e encerrados para aquela fé que se havia de manifestar” ( Gl 3:23 ).

Quando o apóstolo Paulo disse que a ‘fé’ vem pelo ouvir, referia-se à palavra da vida (fé) que justifica, pois só a palavra de Deus dá vida aos homens. Concomitantemente, o ouvir, o atender, o acreditar, o crer só é possível pela palavra de Deus. Sem a palavra de Deus não há em quem o homem confiar para alcançar a salvação.

Os discípulos creram em Cristo quando Ele ressurgiu dentre os mortos, pois lembraram que o que Ele havia dito era conforme o que as Escrituras anunciavam “Quando, pois, ressuscitou dentre os mortos, os seus discípulos lembraram-se de que lhes dissera isto; e creram na Escritura, e na palavra que Jesus tinha dito” ( Jo 2:22 ).

Ou seja, a confiança, a crença que o homem exerce em Deus para a salvação só é possível por Cristo, pois Ele é a fé, de modo que a salvação é de fé (Cristo) em fé (confiança) “E é por Cristo que temos tal confiança em Deus” ( 2Co 3:4 ).

Por crer em Cristo o homem tem ousadia e acesso a Deus “No qual temos ousadia e acesso com confiança, pela nossa fé nele” ( Ef 3:12). A confiança às vezes é denominada fé, sendo que às vezes a esperança e a confiança também são designadas de fé, como se lê: “Mas Cristo, como Filho, sobre a sua própria casa; a qual casa somos nós, se tão somente conservarmos firme a confiança e a glória da esperança até ao fim” ( Hb 3:6 ); “Porque nos tornamos participantes de Cristo, se retivermos firmemente o princípio da nossa confiança até ao fim” ( Hb 3:14 ); “Não rejeiteis, pois, a vossa confiança, que tem grande e avultado galardão” ( Hb 10:35 ).

É do contexto em que o termo fé está inserido que se deve extrair o verdadeiro significado da palavra. Por ex: Em Hebreus 10, verso 35, a confiança é o mesmo que fé, evangelho, pois o escritor alerta o cristão para não rejeitar a confiança, visto que ela tem por base Cristo, o ‘princípio da nossa confiança’ ( Hb 10:35 ).

O que determina o significado do termo fé são os termos utilizados como: conservar, princípio, retivermos, etc., o que demonstra que o texto faz referencia a algo imutável, a palavra de Deus, que deve ser conservada, retida e aceita.

Por Cristo, que é a nossa fé, o crente tem ousadia para se apresentar diante de Deus e confiança de que será galardoado, o que só é possível ao homem pela crença em Cristo “No qual temos ousadia e acesso com confiança, pela nossa fé nele” ( Ef 3:12). Ou seja, conserva, reter e não rejeitar a confiança é o mesmo que combater o bom combate e guardar a fé “Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé” ( 2Tm 4:7 ).

Cristo é a verdade, o caminho e a vida, e somente quem confia n’Ele verá a luz da vida. É a verdade que produz confiança, nunca a confiança do homem produzirá verdade. É a Fé que salva, de modo que resta ao homem confiar na promessa proposta pela fé anunciada.

O termo grego ‘pístis’ traduzido por fé é: 1) fé, crença (estado subjetivo), e: 2) algo que inspira crença, prova.

A fé como estado subjetivo é uma crença própria ao indivíduo que decorre da prova, que na análise bíblica é o evangelho; já a fé que inspira crença, diz do evangelho.

Portanto, a fé opera salvação, mas o crer à parte da fé não. O maior problema quanto à interpretação decorre da associação dos termos ‘crer’ e ter ‘fé’. No N. T. temos o termo grego ‘pistis’, mas no latim não havia um substantivo equivalente a ‘pisits’. Sem um verbo que traduzisse o substantivo grego ‘pistis’, os tradutores passaram a utilizar o verbo “credere”, ou seja “crer”, que possui um radical completamente diferente de ‘pistis’.

Por causa deste problema, nenhum dos idiomas latinos possui um verbo derivado do substantivo grego ‘fides’ (fé), e, inconvenientemente, hoje é utilizado o termo crer. Portanto, pistis (fé) é utilizado para falar da mensagem, do querigma do evangelho, e ‘crer’ (credere) é o termo utilizado para fazer referencia ao assentimento intelectual, exercício da fé (crer) na mensagem (fé).

Portanto, há muitos que creem em anjos céus, inferno, deuses, milagres, etc., porém, não tem fé, pois a fé diz de Cristo, e para recebe-lo é necessário crer que Ele é o Filho de Deus, o Filho de Davi, que foi morto e ressurgiu dentre os mortos pelo poder de Deus.

A faculdade de crer é própria ao ser humano, desde que se lhe apresente algo que inspira crença, prova. É por isso que muitos creem em milagres, estórias, deuses, etc., pois o que lhes foi apresentado tocou-lhes a disposição interna em crer em algo.

Porém, crer para salvação diz de algo específico. Só é salvo, só possui a fé redentora aquele que crê em Cristo conforme diz as escrituras. Não basta crer em milagres e em Deus. Não é crer no improvável ou no impossível. Não é lançar-se no vazio, antes é crer na palavra de Deus conforme o que está escrito ( Mt 4:7 ).

Portanto, a fé é diferente da confiança, visto que, enquanto a Fé foi manifesta e é o firme fundamento das coisas que se esperam, a prova das coisas que se não veem, a ancora firme da alma ( Hb 6:19 ; Hb 11: ), por outro lado a confiança deriva da fé, pois o homem se refugia (crê) na esperança proposta em Cristo (fé) por causa de duas coisas: o conselho e o juramento de Deus ( Hb 6:17 ). Sem a esperança proposta não há refugio, portanto, não há segurança e nem o crer.

Pela graça sois salvos

Quando o apóstolo Paulo fala que ‘pela graça sois salvos’, ele fez referência a misericórdia de Deus, que enviou o seu Filho unigênito, que se fez pobre para que o homem por meio d’Ele enriquecesse “Porque já sabeis a graça de nosso Senhor Jesus Cristo que, sendo rico, por amor de vós se fez pobre; para que pela sua pobreza enriquecêsseis” ( 2Co 8:9 ).

Mas, qual o meio de salvação? A Fé que foi manifesta. Ora, se o meio de salvação é a Fé que foi manifesta na plenitude dos tempos, segue-se que não é a crença do homem que salva, antes é Cristo que salva. Se fosse o crer, a crença do homem anularia a palavra que diz: “E em nenhum outro há salvação, porque também debaixo do céu nenhum outro nome há, dado entre os homens, pelo qual devamos ser salvos” ( At 4:12 ).

A Fé manifesta diz do dom de Deus, que é Cristo ( Jo 4:10 ). O mediador entre Deus e os homens, aquele que tornou conhecido aos homens o que é exigido por Deus. Isto não veio do homem, mas de Deus.

Primeiro veio a Fé, de modo que, é por Cristo que o homem passa a confiar em Deus “E é por Cristo que temos tal confiança em Deus” ( 2Co 3:4 ). Ou seja, qualquer confiança em Deus que não for por intermédio do mediador, que é Cristo, é inócua. Muitos creem que Deus existe, que opera milagres, etc., porém, tal crença é inócua, pois só a crença em Cristo, o mediador, é que proporciona salvação aos perdidos.

Primeiro é dada a fé, o que torna possível ao homem crer. Primeiramente o evangelho foi anunciado a Abraão, o que proporcionou elementos para crer na promessa anunciada: em ti serão benditas todas as famílias da terra. Sem a promessa, seria impossível Abraão crer.

De igual modo, sem Cristo, é impossível ao homem exercer fé para ser salvo. Portanto, Cristo é o dom de Deus, e na essência o autor e consumador da fé, e os que creem na fé manifesta são declarados justos, como está escrito: O justo viverá da fé, ou seja, de Cristo, ou de toda palavra que sai da boca de Deus.

Como “autor e consumador” da fé, temos que Ele é a origem, a fonte, o começo, o autor. É aquele que a torna plena, perfeita.

De igual modo, Jesus é a paz e o amor de Deus: “Paz seja com os irmãos, e amor com fé, da parte de Deus Pai e do Senhor Jesus Cristo. A graça seja com todos os que amam a nosso Senhor Jesus Cristo com amor incorruptível” ( Ef 6:23 -24). A paz, o amor e a fé cristã vem “de Deus Pai e do Senhor Jesus Cristo”, pois Cristo é a paz, o amor e a fé de Deus revelado aos homens.

Quando se lê: “Porque a vós vos foi concedido, em relação a Cristo, não somente crer nele, como também padecer por ele” ( Fl 1:29 ), o que foi concedido aos cristãos foi Cristo (em relação a cristo), a fé manifesta, o que permite ao homem crer n’Ele e padecer por Ele. Cristo é o dom concedido, pois o termo “concedido” é ecarisqh, do termo grego charizomai, “dar como um dom”.

[...]

O que se percebe dos posicionamentos calvinista e arminianista quanto a fé é que ambos decorrem de uma má leitura da bíblia.

Por exemplo: em Hebreus 11, verso 1, o termo ‘fé’ no verso não diz de uma atitude positiva e que envolva a vontade humana em crer, antes diz do evangelho, da promessa, da prova, que é firme e o fundamento. Por outro lado, ‘esperar’ é a atitude humana que envolve a vontade, a convicção, a certeza que é crer “ORA, a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que se não veem” ( Hb 1:11 ).

Porém, ao ler o termo fé no verso, sem qualquer análise, muitos concluem precipitadamente que diz da crença do homem. Como a crença do homem poderia constituir-se o ‘firme fundamento das coisas’ e ‘prova do que não se vê’?

Por Claudio Crispim

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Cristãos progressistas tornam-se ateus

Às vezes, cristãos fundamentalistas alertam que qualquer desvio de crenças evangélicas históricas (mesmo que pequenas) acabam se tornando um trampolim em direção ao completo ateísmo. Em outras palavras, cristãos devem aceitar que o inferno é eterno, que a Bíblia é inerrante e que Deus criou tudo em seis dias literais de 24 horas. Se você remover qualquer uma dessas doutrinas, não demorará muito para que você acabe também negando sua fé.

Jovens evangélicos como eu tendem a rejeitar essa forma de pensamento. Reconhecemos que há espaço para diferenças no modo como se interpretam doutrinas como criação e soberania. Apenas as declarações credais centrais sobre a existência de Deus, ressurreição e divindade de Cristo são inegociáveis. Por causa da pressão de nossa cultura ou uma honesta releitura das Escrituras, nos tornamos suscetíveis a mudar nossas mentes sobre doutrinas que cristãos de gerações anteriores sustentaram cuidadosamente.

Mas, o que é surpreendente é que nossos velhos amigos fundamentalistas não são os únicos a pensarem que o cristianismo progressista pode ser um trampolim para o ateísmo. Um ateu, pelo menos, concorda com esta teoria!

A História de Bart Campolo

Bart filho de Tony Campolo é bem conhecido por sua rejeição da fé cristã. Apesar de não gostar do termo “ateu”, ele não acredita mais em Deus e atualmente trabalha como um capelão humanista.

Discursando sobre o recente episódio do podcast “Holy Heretics” [Santos Hereges], Bart explicou que sua jornada para longe do cristianismo começou quando ele foi exposto à pobreza urbana.

“Isso bagunçou com minha teologia”, ele explica. “Eu tinha uma teologia que dizia que Deus poderia intervir e fazer coisas.” Mas depois de um período de oração não respondida, Bart admite: “Eu tinha que mudar meu entendimento sobre Deus. A soberania tinha esfriado bastante.”

Campolo admitiu que mudanças em sua visão da soberania de Deus foram o “começo do fim” de sua fé. Por quê?

“Porque uma vez que você começa a ajustar sua teologia para adaptá-la à realidade que está diante de você, isto se torna uma progressão infinita… minha capacidade para crer em uma narrativa sobrenatural ou em um Deus que intervém e que faz qualquer coisa morreu depois de milhares de orações não respondidas.”

Campolo continuou: “Passei por todos os estágios da heresia. Isso começou quando a soberania acabou, logo a autoridade bíblica acabara também, então tornei-me um universalista e, enfim, casava gays. E, em pouco tempo, realmente eu já não cria que Jesus tinha ressuscitado dos mortos de forma corpórea.”

Como cristãos se tornam ateus

Campolo não acha que ele seja um caso isolado. Ao contrário, ele acredita que o mundo atual do “cristianismo progressista” (que ele chama de “marginais” do cristianismo) está caminhando rapidamente para a descrença total. Em um discurso durante o Festival Wild Goose (a versão americana de Greenbelt), Bart foi claro: “O que eu sei é que se há 1000 pessoas no Wild Goose hoje, daqui a 10 anos trezentas ou quatrocentas delas não estarão mais no jogo.”

Campolo está prevendo que mais de 40% dos cristãos progressistas se tornarão ateus na próxima década. Na sua visão, o processo de abandono das doutrinas cristãs é quase viciante. Uma vez que você comece, já não sabe onde vai parar. Tudo começa com um “esfriamento” de sua visão da soberania de Deus, que facilmente pode terminar em descrença.

“Você percebe este cristianismo marginal quando as pessoas falam de ‘Deus’ e isto assume o sentido de ‘o universo’ e quando dizem ‘Jesus’ pensa-se em algo como ‘a redenção’ – eles são tão progressistas que eles não esperam que nada sobrenatural ocorra, eles estão esfriando do mesmo jeito que eu esfriei.”

Bart diz que “pulou” a “reinvenção progressista” do cristianismo e foi direto à conclusão lógica de que Deus não existe. Ele considera que cristãos progressistas deveriam parar de fingir que Deus existe em forma de “universo” ou qualquer outro jogo de palavras que se valha.

Campolo diz que há um mundo de podcasts, livros, eventos e outros recursos destinados a jovens evangélicos que estão repensando doutrinas evangélicas históricas como inferno, soberania, infalibilidade bíblica, sexualidade etc. Ele acredita que cristãos progressistas possuem a seu dispor vários líderes que são “clean, legais, difusos” para seguir, e ele cita Rob Bell e Donald Miller como exemplos. Mas, como um capelão humanista, Campolo deseja oferecer orientação e ajudar jovens que rejeitaram inteiramente o conceito de Deus.

“Lá fora no mundo há um crescente e expressivo número de jovens que não creem em Deus… Eles não possuem comunidades ou grupos. Eles precisam de capelães, criadores de comunidades, compositores musicais. Precisam de alguém que os ajude a definir esse modo de vida e assim eles tenham condições de compartilhá-lo com outras pessoas.”

O que a igreja pode aprender

Há uma lição para cristãos nas palavras de Campolo. Sua declaração “uma vez que você comece a ajustar sua teologia para adaptá-la à realidade que está diante de você, isto se torna uma progressão infinita” deveria nos fazer pensar.

A conclusão que Campolo chegou foi que se “a realidade” que está diante de você conflita com sua fé, então é sua fé que está errada e ela tem que ser mudada de alguma forma. Mas, há outras explicações. E se a sua percepção da “realidade” estiver errada? E se a “realidade” como você a percebe não é toda a verdade sobre ela? Talvez haja alguma verdade para além do que você e eu experimentamos.

Eu argumentaria que Bart simplesmente trocou uma forma de fé por outra ao abraçar a ideologia do humanismo secular. Confiantemente ele afirma que viemos de lugar nenhum e que somos produtos acidentais de um universo sem sentido. Para se crer nisso é necessário ter fé. Ele defende que, se temos apenas uma única vida, então a melhor forma de o ser humano gastá-la é maximizando o bem-estar dos outros. Isto é, mais uma vez, um artigo de fé, uma vez que esta crença de Bart (e que de modo algum é compartilhada universalmente) não é ditada nem pela ciência e tampouco pela lógica.

Creio que qualquer afinidade que encontremos em nós mesmos para o amor, bondade, beleza e verdade não é subproduto acidental de um processo evolucionário sem direção, mas um sinal em nós da imagem do Deus que Bart não acredita mais. Eu argumentaria que Deus é real quando eu o experimento tanto quando eu não o experimento. Minha experiência subjetiva não diminui a realidade objetiva.

Quando Campolo mudou sua teologia para se encaixar em sua experiência, este foi o princípio do fim. Isso deveria servir como um aviso para cristãos, sejam progressistas ou não. Ajustar sua teologia para que ela se encaixe em sua experiência pode soar como uma ideia atraente, mas isso nem sempre é tão inteligente como aparenta ser.

Muitos evangélicos progressistas recusarão o que Campolo está sugerindo. Eles argumentarão que estão há milhões de quilômetros do ateísmo. Talvez haja dois perigos iguais e opostos. Talvez evangélicos conservadores correm o risco de serem desnecessariamente dogmáticos sobre alguns assuntos e, assim, alienarem a próxima geração. Progressistas, por sua vez, correm o risco de, ao desistirem demasiadamente da doutrina histórica, sua fé começar a parecer mais com o humanismo de Campolo do que com o cristianismo histórico.

Uma fé despida de seus fundamentos está se tornando crescentemente anêmica. Mas talvez esse sempre foi o caso. Bart Campolo crê que sua adesão recente à “religião sem Deus” do humanismo o fez amar melhor as pessoas do que sua fé cristã de outrora. Isso pode ser verdade para Bart, mas, na prática, a maioria das coisas boas que são feitas no mundo é promovida por pessoas que creem que há um Deus que fez um mundo que vale a pena salvar.

Como disse C.S. Lewis: “Se você estudar a história você descobrirá que os cristãos que mais fizeram coisas para o mundo presente eram exatamente aqueles que mais pensaram no mundo vindouro.” Crenças incomuns sobre céu, inferno e eternidade não pararam cristãos de endireitar erros neste mundo. Exatamente o contrário! Assim, se progressistas querem continuar servindo o pobre e amando o próximo, a história sugere que eles deveriam continuar bem firmes às doutrinas cristãs históricas – incluindo aquelas que não são tão palatáveis a alguns na cultura ocidental de hoje.

Por Sam Hailes             
Traduzido por Igor Miguel e revisado por Jonathan Silveira.

sábado, 18 de novembro de 2017

Os Desigrejados

Para mim resta pouca dúvida de que a igreja institucional e organizada está hoje no centro de acirradas discussões em praticamente todos os quartéis da cristandade, e mesmo fora dela. O surgimento de milhares de denominações evangélicas, o poderio apostólico de igrejas neopentecostais, a institucionalização e secularização das denominações históricas, a profissionalização do ministério pastoral, a busca de diplomas teológicos reconhecidos pelo estado, a variedade infindável de métodos de crescimento de igrejas, de sucesso pastoral, os escândalos ocorridos nas igrejas, a falta de crescimento das igrejas tradicionais, o fracasso das igrejas emergentes – tudo isto tem levado muitos a se desencantarem com a igreja institucional e organizada.

Alguns simplesmente abandonaram a igreja e a fé. Mas, outros, querem abandonar apenas a igreja e manter a fé. Querem ser cristãos, mas sem a igreja. Muitos destes estão apenas decepcionados com a igreja institucional e tentam continuar a ser cristãos sem pertencer ou frequentar nenhuma. Todavia, existem aqueles que, além de não mais frequentarem a igreja, tomaram esta bandeira e passaram a defender abertamente o fracasso total da igreja organizada, a necessidade de um cristianismo sem igreja e a necessidade de sairmos da igreja para podermos encontrar Deus. Estas ideias vêm sendo veiculadas através de livros, palestras e da mídia. Viraram um movimento que cresce a cada dia. São os desigrejados.

Muitos livros recentes têm defendido a desigrejação do cristianismo (*). Em linhas gerais, os desigrejados defendem os seguintes pontos.

1) Cristo não deixou qualquer forma de igreja organizada e institucional.

2) Já nos primeiros séculos os cristãos se afastaram dos ensinos de Jesus, organizando-se como uma instituição, a Igreja, criando estruturas, inventando ofícios para substituir os carismas, elaborando hierarquias para proteger e defender a própria instituição, e de tal maneira se organizaram que acabaram deixando Deus de fora. Com a influência da filosofia grega na teologia e a oficialização do cristianismo por Constantino, a igreja corrompeu-se completamente.

3) Apesar da Reforma ter se levantado contra esta corrupção, os protestantes e evangélicos acabaram caindo nos mesmíssimos erros, ao criarem denominações organizadas, sistemas interligados de hierarquia e processos de manutenção do sistema, como a disciplina e a exclusão dos dissidentes, e ao elaborarem confissões de fé, catecismos e declarações de fé, que engessaram a mensagem de Jesus e impediram o livre pensamento teológico.

4) A igreja verdadeira não tem templos, cultos regulares aos domingos, tesouraria, hierarquia, ofícios, ofertas, dízimos, clero oficial, confissões de fé, rol de membros, propriedades, escolas, seminários.

5) De acordo com Jesus, onde estiverem dois ou três que creem nele, ali está a igreja, pois Cristo está com eles, conforme prometeu em Mateus 18. Assim, se dois ou três amigos cristãos se encontrarem no Frans Café numa sexta a noite para falar sobre as lições espirituais do filme O Livro de Eli, por exemplo, ali é a igreja, não sendo necessário absolutamente mais nada do tipo ir à igreja no domingo ou pertencer a uma igreja organizada.

6) A igreja, como organização humana, tem falhado e caído em muitos erros, pecados e escândalos, e prestado um desserviço ao Evangelho. Precisamos sair dela para podermos encontrar a Deus.

Eu concordo com vários dos pontos defendidos pelos desigrejados. Infelizmente, eles estão certos quanto ao fato de que muitos evangélicos confundem a igreja organizada com a igreja de Cristo e têm lutado com unhas e dentes para defender sua denominação e sua igreja, mesmo quando estas não representam genuinamente os valores da Igreja de Cristo. Concordo também que a igreja de Cristo não precisa de templos construídos e nem de todo o aparato necessário para sua manutenção. Ela, na verdade, subsistiu de forma vigorosa nos quatro primeiros séculos se reunindo em casas, cavernas, vales, campos, e até cemitérios. Os templos cristãos só foram erigidos após a oficialização do Cristianismo por Constantino, no séc. IV.

Os desigrejados estão certos ao criticar os sistemas de defesa criados para perpetuar as estruturas e a hierarquia das igrejas organizadas, esquecendo-se das pessoas e dando prioridade à organização. Concordo com eles que não podemos identificar a igreja com cultos organizados, programações sem fim durante a semana, cargos e funções como superintendente de Escola Dominical, organizações internas como uniões de moços, adolescentes, senhoras e homens, e métodos como células, encontros de casais e de jovens, e por ai vai. E também estou de acordo com a constatação de que a igreja institucional tem cometido muitos erros no decorrer de sua longa história.

Dito isto, pergunto se ainda assim está correto abandonarmos a igreja institucional e seguirmos um cristianismo em vôo solo. Pergunto ainda se os desigrejados não estão jogando fora o bebê junto com a água suja da banheira. Ao final, parece que a revolta deles não é somente contra a institucionalização da igreja, mas contra qualquer coisa que imponha limites ou restrições à sua maneira de pensar e de agir. Fico com a impressão que eles querem se livrar da igreja para poderem ser cristãos do jeito que entendem, acreditarem no que quiserem – sendo livres pensadores sem conclusões ou convicções definidas – fazerem o que quiserem, para poderem experimentar de tudo na vida sem receio de penalizações e correções. Esse tipo de atitude anti-instituição, antidisciplina, anti-regras, anti-autoridade, antilimites de todo tipo se encaixa perfeitamente na mentalidade secular e revolucionária de nosso tempo, que entra nas igrejas travestida de cristianismo.

É verdade que Jesus não deixou uma igreja institucionalizada aqui neste mundo. Todavia, ele disse algumas coisas sobre a igreja que levaram seus discípulos a se organizarem em comunidades ainda no período apostólico e muito antes de Constantino.

1) Jesus disse aos discípulos que sua igreja seria edificada sobre a declaração de Pedro, que ele era o Cristo, o Filho do Deus vivo (Mt 16.15-19). A igreja foi fundada sobre esta pedra, que é a verdade sobre a pessoa de Jesus (cf. 1Pd 2.4-8). O que se desviar desta verdade – a divindade e exclusividade da pessoa de Cristo – não é igreja cristã. Não admira que os apóstolos estivessem prontos a rejeitar os livre-pensadores de sua época, que queriam dar uma outra interpretação à pessoa e obra de Cristo diferente daquela que eles receberam do próprio Cristo. As igrejas foram instruídas pelos apóstolos a rejeitar os livre-pensadores como os gnósticos e judaizantes, e libertinos desobedientes, como os seguidores de Balaão e os nicolaítas (cf. 2Jo 10; Rm 16.17; 1Co 5.11; 2Ts 3.6; 3.14; Tt 3.10; Jd 4; Ap 2.14; 2.6,15). Fica praticamente impossível nos mantermos sobre a rocha, Cristo, e sobre a tradição dos apóstolos registrada nas Escrituras, sem sermos igreja, onde somos ensinados, corrigidos, admoestados, advertidos, confirmados, e onde os que se desviam da verdade apostólica são rejeitados.

2) A declaração de Jesus acima, que a sua igreja se ergue sobre a confissão acerca de sua Pessoa, nos mostra a ligação estreita, orgânica e indissolúvel entre ele e sua igreja. Em outro lugar, ele ilustrou esta relação com a figura da videira e seus galhos (João 15). Esta união foi muito bem compreendida pelos seus discípulos, que a compararam à relação entre a cabeça e o corpo (Ef 1.22-23), a relação marido e mulher (Ef 5.22-33) e entre o edifício e a pedra sobre o qual ele se assenta (1Pd 2.4-8). Os desigrejados querem Cristo, mas não querem sua igreja. Querem o noivo, mas rejeitam sua noiva. Mas, aquilo que Deus ajuntou, não o separe o homem. Não podemos ter um sem o outro.

3) Jesus instituiu também o que chamamos de processo disciplinar, quando ensinou aos seus discípulos de que maneira deveriam proceder no caso de um irmão que caiu em pecado (Mt 18.15-20). Após repetidas advertências em particular, o irmão faltoso, porém endurecido, deveria ser excluído da “igreja” – pois é, Jesus usou o termo – e não deveria mais ser tratado como parte dela (Mt 18.17). Os apóstolos entenderam isto muito bem, pois encontramos em suas cartas dezenas de advertências às igrejas que eles organizaram para que se afastassem e excluíssem os que não quisessem se arrepender dos seus pecados e que não andassem de acordo com a verdade apostólica. Um bom exemplo disto é a exclusão do “irmão” imoral da igreja de Corinto (1Co 5). Não entendo como isto pode ser feito numa fraternidade informal e livre que se reúne para bebericar café nas sextas à noite e discutir assuntos culturais, onde não existe a consciência de pertencemos a um corpo que se guia conforme as regras estabelecidas por Cristo.

4) Jesus determinou que seus seguidores fizessem discípulos em todo o mundo, e que os batizassem e ensinassem a eles tudo o que ele havia mandado (Mt 28.19-20). Os discípulos entenderam isto muito bem. Eles organizaram os convertidos em igrejas, os quais eram batizados e instruídos no ensino apostólico. Eles estabeleceram líderes espirituais sobre estas igrejas, que eram responsáveis por instruir os convertidos, advertir os faltosos e cuidar dos necessitados (At 6.1-6; At 14.23). Definiram claramente o perfil destes líderes e suas funções, que iam desde o governo espiritual das comunidades até a oração pelos enfermos (1Tm 31-13; Tt 1.5-9; Tg 5.14).

5) Não demorou também para que os cristãos apostólicos elaborassem as primeiras declarações ou confissões de fé que encontramos (cf. Rm 10.9; 1Jo 4.15; At 8.36-37; Fp 2.5-11; etc.), que serviam de base para a catequese e instrução dos novos convertidos, e para examinarem e rejeitarem os falsos mestres. Veja, por exemplo, João usando uma destas declarações para repelir livre-pensadores gnósticos das igrejas da Ásia (2Jo 7-10; 1Jo 4.1-3). Ainda no período apostólico já encontramos sinais de que as igrejas haviam se organizado e estruturado, tendo presbíteros, diáconos, mestres e guias, uma ordem de viúvas e ainda presbitérios (1Tm 3.1; 5.17,19; Tt 1.5; Fp 1.1; 1Tm 3.8,12; 1Tm 5.9; 1Tm 4.14). O exemplo mais antigo que temos desta organização é a reunião dos apóstolos e presbíteros em Jerusalém para tratar de um caso de doutrina – a inclusão dos gentios na igreja e as condições para que houvesse comunhão com os judeus convertidos (At 15.1-6). A decisão deste que ficou conhecido como o “concílio de Jerusalém” foi levada para ser obedecida nas demais igrejas (At 16.4), mostrando que havia desde cedo uma rede hierárquica entre as igrejas apostólicas, poucos anos depois de Pentecostes e muitos anos antes de Constantino.

6) Jesus também mandou que seus discípulos se reunissem regularmente para comer o pão e beber o vinho em memória dele (Lc 22.14-20). Os apóstolos seguiram a ordem, e reuniam-se regularmente para celebrar a Ceia (At 2.42; 20.7; 1Co 10.16). Todavia, dada à natureza da Ceia, cedo introduziram normas para a participação nela, como fica evidente no caso da igreja de Corinto (1Co 11.23-34). Não sei direito como os desigrejados celebram a Ceia, mas deve ser difícil fazer isto sem que estejamos na companhia de irmãos que partilham da mesma fé e que creem a mesma coisa sobre o Senhor.

É curioso que a passagem predileta dos desigrejados – “onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, ali estou no meio deles” (Mt 18.20) – foi proferida por Jesus no contexto da igreja organizada. Estes dois ou três que ele menciona são os dois ou três que vão tentar ganhar o irmão faltoso e reconduzi-lo à comunhão da igreja (Mt 18.16). Ou seja, são os dois ou três que estão agindo para preservar a pureza da igreja como corpo, e não dois ou três que se separam dos demais e resolvem fazer sua própria igrejinha informal ou seguir carreira solo como cristãos.

O meu ponto é este: que muito antes do período pós-apostólico, da intrusão da filosofia grega na teologia da Igreja e do decreto de Constantino – os três marcos que segundo os desigrejados são responsáveis pela corrupção da igreja institucional – a igreja de Cristo já estava organizada, com seus ofícios, hierarquia, sistema disciplinar, funcionamento regular, credos e confissões. A ponto de Paulo se referir a ela como “coluna e baluarte da verdade” (1Tm 3.15) e o autor de Hebreus repreender os que deixavam de se congregar com os demais cristãos (Hb 10.25). O livro de Atos faz diversas menções das “igrejas”, referindo-se a elas como corpos definidos e organizados nas cidades (cf. At 15.41; 16.5; veja também Rm 16.4,16; 1Co 7.17; 11.16; 14.33; 16.1; etc. – a relação é muito grande).

No final, fico com a impressão que os desigrejados, na verdade, não são contra a igreja organizada meramente porque desejam uma forma mais pura de Cristianismo, mais próxima da forma original – pois esta forma original já nasceu organizada e estruturada, nos Evangelhos e no restante do Novo Testamento. Acho que eles querem mesmo é liberdade para serem cristãos do jeito deles, acreditar no que quiserem e viver do jeito que acham correto, sem ter que prestar contas a ninguém. Pertencer a uma igreja organizada, especialmente àquelas que historicamente são confessionais e que têm autoridades constituídas, conselhos e concílios, significa submeter nossas ideias e nossa maneira de viver ao crivo do Evangelho, conforme entendido pelo Cristianismo histórico. Para muitos, isto é pedir demais.

Eu não tenho ilusões quanto ao estado atual da igreja. Ela é imperfeita e continuará assim enquanto eu for membro dela. A teologia Reformada não deixa dúvidas quanto ao estado de imperfeição, corrupção, falibilidade e miséria em que a igreja militante se encontra no presente, enquanto aguarda a vinda do Senhor Jesus, ocasião em que se tornará igreja triunfante. Ao mesmo tempo, ensina que não podemos ser cristãos sem ela. Que apesar de tudo, precisamos uns dos outros, precisamos da pregação da Palavra, da disciplina e dos sacramentos, da comunhão de irmãos e dos cultos regulares.

Cristianismo sem igreja é uma outra religião, a religião individualista dos livre-pensadores, eternamente em dúvida, incapazes de levar cativos seus pensamentos à obediência de Cristo.

Por Augustus Nicodemus Lopes

terça-feira, 31 de outubro de 2017

Qual é o futuro da igreja evangélica no Brasil

Quando olho o atual cenário da igreja evangélica brasileira – estou usando o termo “evangélica” de maneira ampla – confesso que me sinto incapaz de prever o que vem pela frente. Há muitas e diferentes forças em operação em nosso meio hoje, boa parte delas conflitantes e opostas. Olho para frente e não consigo perceber um padrão, uma indicação que seja, do futuro da igreja.

Há, em primeiro lugar, o crescimento das seitas neopentecostais. Embora estatísticas recentes tenham apontado para uma queda na membresia de seitas como a Universal do Reino do Deus - que ressurge das cinzas com o "templo de Salomão" - , outras estão surgindo no lugar, como na lenda grega da Hidra de Lerna, monstro de sete cabeças que se regeneravam quando cortadas. A enorme quantidade de adeptos destes movimentos que pregam prosperidade, cura, libertação e solução imediata para os problemas pessoais acaba moldando a imagem pública dos evangélicos e a percepção que o restante do Brasil tem de nós. Na África do Sul conheci uma seita que mistura pontos da fé cristã com pontos das religiões africanas, um sincretismo que acaba por tornar irreconhecível qualquer traço de cristianismo restante. Temo que a continuar o crescimento das seitas neopentecostais e seus desvios cada vez maiores do cristianismo histórico, poderemos ter uma nova religião sincrética no Brasil, uma seita que mistura traços de cristianismo com elementos de religiões afro-brasileiras, teologia da prosperidade e batalha espiritual em pouquíssimo tempo.

Depois há o movimento “gospel”, que mostrou sua popularidade ao ter o festival “Promessas” veiculado pela emissora de maior audiência do país. Não me preocupa tanto o fato de que a Rede Globo exibiu o show, mas a mensagem que foi passada ali. A teologia gospel confunde “adoração” com pregação, exalta o louvor como o principal elemento do culto público, anuncia um evangelho que não chama pecadores e crentes ao arrependimento e mudança de vida, que promete vitórias mediante o louvor e a declaração de frases de efeito e que ignora boa parte do que a Bíblia ensina sobre humildade, modéstia, sobriedade e separação do mundo. Para muitos jovens, os shows gospel viraram a única forma de culto que conhecem, com pouca Bíblia e quase nenhum discipulado. O impacto negativo da superficialidade deste movimento se fará sentir nesta próxima geração, especialmente na incapacidade de impedir a entrada de falsos ensinamentos e doutrinas erradas.

Notemos ainda o crescimento do interesse pela fé reformada, não nas igrejas históricas, mas fora delas, no meio pentecostal. Não são poucos os pentecostais que têm descoberto a teologia reformada – particularmente as doutrinas da graça, os cinco slogans (“solas”) e os chamados cinco pontos do calvinismo. Boa parte destes tem tentado preservar algumas ideias e práticas características do pentecostalismo, como a contemporaneidade dos dons de línguas, profecia e milagres, além de uma escatologia dispensacionalista. Outros têm entendido – corretamente – que a teologia reformada inevitavelmente cobra pedágio também nestas áreas e já passaram para a reforma completa. Mas o tipo de movimento, igrejas ou denominações resultantes desta surpreendente integração ainda não é previsível.

O impacto das mídias sociais também não pode ser ignorado. E há também o número crescente de desigrejados, que aumenta na mesma proporção da apropriação das mídias sociais pelos evangélicos. Com a possibilidade de se ouvir sermões, fazer estudos e cursos de teologia online, além de bate-papo e discipulado pela internet, aumenta o número de pessoas que se dizem evangélicas mas que não se congregam em uma igreja local. São cristãos virtuais que “frequentam” igrejas virtuais e têm comunhão virtual com pessoas que nunca realmente chegam a conhecer. Admito o benefício da tecnologia em favor do Reino. Eu mesmo sou professor há quinze anos de um curso de teologia online e sei a benção que pode ser. Mas, não há substituto para a igreja local, para a comunhão real com os santos, para a celebração da Ceia e do batismo, para a oração conjunta, para a leitura em uníssono das Escrituras e para a recitação em conjunto da oração do Pai Nosso, dos Dez Mandamentos. Isto não dá para fazer pela internet. Uma igreja virtual composta de desigrejados não será forte o suficiente em tempos de perseguição.

Eu poderia ainda mencionar a influência do liberalismo teológico, que tem aberto picadas nas igrejas históricas e pentecostais e a falta de maior rapidez e eficiência das igrejas históricas em retomar o crescimento numérico, aproveitando o momento extremamente oportuno no país. Afinal, o cristianismo tem experimentado um crescimento fenomenal no chamado Sul Global, do qual o Brasil faz parte.

Algumas coisas me ocorrem diante deste quadro, quando tento organizar minha cabeça e entender o que se passa.

1 – Historicamente, as igrejas cristãs em todos os lugares aqui neste mundo atravessaram períodos de grande confusão, aridez e decadência espiritual. Depois, ergueram-se e experimentaram períodos de grande efervescência e eficácia espiritual, chegando a mudar países. Pode ser que estejamos a caminho do fundo do poço, mas não perderemos a esperança. A promessa de Jesus quanto à Sua Igreja (Mateus 16:18) e a história dos avivamentos espirituais nos dão confiança.

2 – Apesar de toda a mistura de erro e verdade que testemunhamos na sincretização cada vez maior das igrejas, é inegável que Deus tem agido salvadoramente e não são poucos os que têm sido chamados das trevas para a luz, regenerados e justificados mediante a fé em Cristo Jesus, apesar das ênfases erradas, das distorções doutrinárias e da negligência das grandes doutrinas da graça. Ainda assim, parece que o Espírito Santo se compraz em usar o mínimo de verdade que encontra, mesmo em igrejas com pouca luz, na salvação dos eleitos. Não digo isto para justificar o erro. É apenas uma constatação da misericórdia de Deus e da nossa corrupção. Se a salvação fosse pela precisão doutrinária em todos os pontos da teologia cristã, nenhum de nós seria salvo.

3 – Deus sempre surpreende o Seu povo. É totalmente impossível antecipar as guinadas na história da Igreja. Muito menos, fazer com que aconteçam. Há fatores em operação que estão muito acima dos poderes humanos. Resta-nos ser fiéis à Palavra de Deus, pregar o Evangelho completo – expositivamente, de preferência – viver uma vida reta e santa, usar de todos os recursos lícitos para propagar o Reino e plantar igrejas bíblicas e orar para que nosso Deus seja misericordioso com os seus eleitos, com a Sua igreja, com aqueles que Ele predestinou antes da fundação do mundo e soberanamente chamou pela Sua graça, pela pregação do Evangelho.

Autor: Rev. Augustus Nicodemus Lopes

Postado Originalmente no Blog do Autor

quinta-feira, 10 de agosto de 2017

Sete marcas de uma igreja ideal

Parece legítimo considerar que, juntas, as sete igrejas da província da Ásia (Apocalipse 2 e 3) representam a igreja universal. E já que um aspecto específico é destacado em cada igreja, talvez possamos entender essas sete características como as marcas de uma igreja ideal.

Amor. Essa é a primeira marca de uma igreja ideal. A igreja em Éfeso possuía muitas qualidades. Cristo conhecia seu trabalho árduo e perseverança, sua intolerância ao mal e seu discernimento teológico. Alguns anos mais tarde, no início do segundo século, o Bispo Inácio de Antioquia, a caminho de Roma para ser executado como cristão, escreveu aos efésios em termos muito elogiosos: “Vós todos viveis de acordo com a verdade e nenhuma heresia tem abrigo entre vós; aliás não vos prestais a ouvir ninguém que fale outra coisa senão acerca de Jesus Cristo e sua verdade”.1
Ainda assim, Jesus tinha algo contra a igreja efésia: “você abandonou o seu primeiro amor” (2.4). Todas as virtudes dos efésios não compensavam aquela falha. Não há dúvida de que na época da conversão o amor deles por Cristo havia sido ardente e vivo, mas agora as chamas haviam definha­do. Lembramos da reclamação de Javé a Jeremias acerca de Jerusalém: “Eu me lembro de sua fidelidade quando você era jovem: como noiva, você me amava…” (Jr 2.2). Como em Jerusalém, assim também com Éfeso: o noivo celestial procurava cortejar a noiva para que ela voltasse ao primeiro êxtase de seu amor: “Lembre-se de onde caiu! Arrependa-se e pratique as obras que praticava no princípio” (2.5). Sem amor, tudo é nada.

Sofrimento. Se a primeira marca de uma igreja viva é o amor, a segunda é o sofrimento. A disposição de sofrer por Cristo prova a genuinidade de nosso amor por ele.

Cristo conhecia as aflições, a pobreza e injúria que a igreja de Esmirna estava tendo de enfrentar. Talvez esses sofrimentos estivessem associados com o culto local ao imperador, pois Esmirna orgulhava-se de seu templo em homenagem ao Imperador Tibério. De tempos em tempos, os cidadãos eram convocados para jogar incenso no fogo que queimava diante do busto do Imperador e confessar que César era o senhor. Mas como os cristãos poderiam negar o senhorio de Jesus Cristo? Em 156 d.C., o venerável Policarpo era Bispo de Esmirna. Ele enfrentou esse mesmo di­lema. No anfiteatro lotado, o procônsul instou-o a reverenciar o gênio de César e insultar Cristo, mas Policarpo recusou-se, dizendo: “Por oitenta e seis anos o tenho servido, e ele nenhum dano me causou; como então poderia eu blasfemar meu rei que me salvou?” Ele preferiu ser queimado numa estaca a negar a Cristo.2
Mais de um século antes daquilo, Cristo já havia alertado a igreja de Esmirna de que provações severas estavam chegando, inclusive prisão e talvez morte. “Seja fiel até a morte”, disse-lhes Jesus, “e eu lhe darei a coroa da vida” (2.10).

Verdade. A igreja de Pérgamo era dedicada à verdade. Assim, Jesus se apresenta como aquele que tem uma espada afiada de dois gumes saindo da boca, simbolizando sua palavra. Ele descreve a igreja de Pérgamo vivendo “onde está o trono de Satanás”, pois Pérgamo era um centro de culto pagão. Mas “precisamos concluir”, escreveu Colin Hemer, “que a expressão ‘trono de Satanás’ refere-se basicamente ao culto ao imperador conforme imposto por Pérgamo numa época de confronto para a igreja”.3 Ainda assim, apesar da oposição e até do martírio de Antipas, a igreja permanecera leal ao nome de Cristo e não havia renunciado à fé nele, embora alguns membros da igreja tivessem sucumbido a falsos ensinos que toleravam a idolatria.

Santidade. Jesus escreve a seguir à igreja de Tiatira, destacando que a santidade é outra marca de uma igreja viva. Ele começa em termos de elogios calorosos, pois conhece o amor e a fé, o serviço e a perseverança deles. Essas são quatro virtudes superiores e incluem a tríade de fé, esperança e amor.

Mas, infelizmente, esse não era o quadro completo pois, junto com as elevadas qualidades cristãs, a igreja era culpada de transgressão moral. A igreja tolerava uma pretensa profetisa maligna, simbolicamente chamada Jezabel por causa da esposa perversa de Acabe, que estava desviando servos de Cristo, levando-os à imoralidade sexual bem como à idolatria. Cristo lhe havia dado tempo para se arrepender, mas ela não se dispunha a tanto, de modo que o julgamento recairia sobre ela.

A santidade do autocontrole e da semelhança a Cristo é outra característica essencial de uma igreja viva. A tolerância não é uma virtude se o que se tolera é o mal. Deus ainda diz a seu povo: “Sejam santos porque eu sou santo”.

Sinceridade. A carta de Cristo a Sardes é a única que não contém nenhum elogio de nenhuma espécie. Antes, ele reclama: “você tem fama de estar vivo, mas está morto”. Essa igreja não parece ter tolerado o erro ou o mal, nem ter sido deficiente em amor, fé ou santidade. Ela apresentava todo sinal de vida e vigor. Mas sua reputação era falsa.

As Escrituras têm muito a dizer sobre a diferença entre reputação e realidade, entre aquilo que os seres humanos veem e o que Deus vê. “O SENHOR não vê como o homem: o homem vê a aparência, mas o SENHOR vê o coração” (1Sm 16.7). Ser obcecado pela aparência e reputação leva naturalmente à hipocrisia (que Jesus odiava) e nos ensina que a sinceridade caracteriza uma igreja viva e verdadeira.

Missão. Ao escrever para Filadélfia, Jesus descreve-se como alguém que detém a chave de Davi com que era capaz de abrir portas fechadas e fechar portas abertas. Assim, ele podia dizer à igreja de Filadélfia: “Eis que coloquei diante de você uma porta aberta que ninguém pode fechar” (3.8). O significado mais provável é que se trata da porta da oportunidade, como quando Paulo escreveu que em Éfeso “se abriu para mim uma porta ampla e promissora” (1Co 16.9). Isso significa que a missão é outra marca de uma igreja verdadeira. Citando G. K. Beale, todas as cartas às igrejas “tratam de maneira geral da questão do testemunho em favor de Cristo em meio a uma cultura pagã”.4

Talvez isso seja destacado na carta à Filadélfia por causa de sua localização estratégica. A Filadélfia estava situada num vale amplo e fértil que dominava rotas mercantis em todas as direções. Sir William Ramsay escreveu que a intenção do fundador da cidade fora torná-la centro de disseminação da língua e da civilização grega. Filadélfia “era uma cidade missionária desde o início”. Assim, pode ser que Cristo quisesse que Filadélfia fosse agora para a disseminação do evangelho o que fora para a cultura grega. A porta estava escancarada. Ainda que a igreja fosse comparativamente fraca, preci­sava atravessar a porta com ousadia, levando as boas novas.

Integridade. Não pode haver dúvidas acerca da mensagem de Cristo à igreja de Laodiceia: ele quer que sua igreja seja caracterizada pela integridade. Ele é muito franco. Cristo prefere que seus discípulos sejam ou quentes em sua devoção a ele ou gelados em sua hostilidade, e não mornos em sua indiferença. Ele considera a mornidão nauseante.

Do lado diretamente oposto de Laodiceia, do outro lado do Rio Lico, ficava Hierápolis, cujas fontes quentes enviavam águas tépidas por sobre os penhascos de Laodiceia, deixando depósitos de calcário que podem ser vistos ainda hoje. Assim, o adjetivo “laodiceno” entrou no vocabulário inglês para denotar pessoas mornas quanto à religião, política ou qualquer outro assunto. Laodiceia parece representar uma igreja que por fora é respeitável, mas superficial por dentro, uma das igrejas puramente nominais com que estamos familiarizados.

Quando a metáfora muda para mendigos nus e cegos, começamos a perguntar se os membros da igreja de Laodiceia eram de algum modo cristãos genuínos. Então ela muda de novo para a de uma casa vazia. Cristo coloca-se à porta, bate, fala e espera. Se abrirmos a porta, ele entra, não só para comer conosco, mas para tomar posse. Essa é a essência da integridade a que Cristo nos chama.

Assim, o Senhor ressuscitado revela-se como o pastor principal de seu rebanho. Vigiando, inspecionando e supervisionando suas igrejas, ele possui um conhecimento íntimo delas e é capaz de apontar as sete marcas que gostaria de ver manifestas em todas as igrejas: amor a ele e a disposição de sofrer por ele, verdade doutrinária e santidade de vida e dedicação à missão, junto com sinceridade e integridade em tudo.

Também observamos a igreja afligida internamente pelo pecado, erro e letargia e, externamente, por tribulação e perseguição, especialmente pela tentação de trair Cristo por César e pelos riscos reais de martírio.

Assim, com Apocalipse 4 nos voltamos abruptamente da igreja sobre a terra para a igreja no céu, de Cristo entre candelabros cintilantes para Cristo bem no centro do trono imutável de Deus. É o mesmo Cristo, mas de uma perspectiva inteiramente diferente.

Notas
1 – A Epístola de Inácio aos Efésios, cap. 6.
2 – O Martírio de Policarpo, cap. 9-16 em B. J. Kidd (ed.), Documents Illustrative of the History of the Church (SPCK, 1938), vol. 1, p. 68-71.
3 – C. J. Hermer, The Letters to the Seven Churches of Asia in their local setting (JSOT Press, 1986), p. 87, cf. p. 104.
4 – Beale, Revelation, p. 226. 11 W. M. Ramsay, The Letters to the Seven Churches of Asia (Hodder & Stoughton, 1904), p. 391-392.

Por John Stott.Texto originalmente publicado em O Incomparável Cristo, da ABU Editora.