quinta-feira, 10 de agosto de 2017

Sete marcas de uma igreja ideal

Parece legítimo considerar que, juntas, as sete igrejas da província da Ásia (Apocalipse 2 e 3) representam a igreja universal. E já que um aspecto específico é destacado em cada igreja, talvez possamos entender essas sete características como as marcas de uma igreja ideal.

Amor. Essa é a primeira marca de uma igreja ideal. A igreja em Éfeso possuía muitas qualidades. Cristo conhecia seu trabalho árduo e perseverança, sua intolerância ao mal e seu discernimento teológico. Alguns anos mais tarde, no início do segundo século, o Bispo Inácio de Antioquia, a caminho de Roma para ser executado como cristão, escreveu aos efésios em termos muito elogiosos: “Vós todos viveis de acordo com a verdade e nenhuma heresia tem abrigo entre vós; aliás não vos prestais a ouvir ninguém que fale outra coisa senão acerca de Jesus Cristo e sua verdade”.1
Ainda assim, Jesus tinha algo contra a igreja efésia: “você abandonou o seu primeiro amor” (2.4). Todas as virtudes dos efésios não compensavam aquela falha. Não há dúvida de que na época da conversão o amor deles por Cristo havia sido ardente e vivo, mas agora as chamas haviam definha­do. Lembramos da reclamação de Javé a Jeremias acerca de Jerusalém: “Eu me lembro de sua fidelidade quando você era jovem: como noiva, você me amava…” (Jr 2.2). Como em Jerusalém, assim também com Éfeso: o noivo celestial procurava cortejar a noiva para que ela voltasse ao primeiro êxtase de seu amor: “Lembre-se de onde caiu! Arrependa-se e pratique as obras que praticava no princípio” (2.5). Sem amor, tudo é nada.

Sofrimento. Se a primeira marca de uma igreja viva é o amor, a segunda é o sofrimento. A disposição de sofrer por Cristo prova a genuinidade de nosso amor por ele.

Cristo conhecia as aflições, a pobreza e injúria que a igreja de Esmirna estava tendo de enfrentar. Talvez esses sofrimentos estivessem associados com o culto local ao imperador, pois Esmirna orgulhava-se de seu templo em homenagem ao Imperador Tibério. De tempos em tempos, os cidadãos eram convocados para jogar incenso no fogo que queimava diante do busto do Imperador e confessar que César era o senhor. Mas como os cristãos poderiam negar o senhorio de Jesus Cristo? Em 156 d.C., o venerável Policarpo era Bispo de Esmirna. Ele enfrentou esse mesmo di­lema. No anfiteatro lotado, o procônsul instou-o a reverenciar o gênio de César e insultar Cristo, mas Policarpo recusou-se, dizendo: “Por oitenta e seis anos o tenho servido, e ele nenhum dano me causou; como então poderia eu blasfemar meu rei que me salvou?” Ele preferiu ser queimado numa estaca a negar a Cristo.2
Mais de um século antes daquilo, Cristo já havia alertado a igreja de Esmirna de que provações severas estavam chegando, inclusive prisão e talvez morte. “Seja fiel até a morte”, disse-lhes Jesus, “e eu lhe darei a coroa da vida” (2.10).

Verdade. A igreja de Pérgamo era dedicada à verdade. Assim, Jesus se apresenta como aquele que tem uma espada afiada de dois gumes saindo da boca, simbolizando sua palavra. Ele descreve a igreja de Pérgamo vivendo “onde está o trono de Satanás”, pois Pérgamo era um centro de culto pagão. Mas “precisamos concluir”, escreveu Colin Hemer, “que a expressão ‘trono de Satanás’ refere-se basicamente ao culto ao imperador conforme imposto por Pérgamo numa época de confronto para a igreja”.3 Ainda assim, apesar da oposição e até do martírio de Antipas, a igreja permanecera leal ao nome de Cristo e não havia renunciado à fé nele, embora alguns membros da igreja tivessem sucumbido a falsos ensinos que toleravam a idolatria.

Santidade. Jesus escreve a seguir à igreja de Tiatira, destacando que a santidade é outra marca de uma igreja viva. Ele começa em termos de elogios calorosos, pois conhece o amor e a fé, o serviço e a perseverança deles. Essas são quatro virtudes superiores e incluem a tríade de fé, esperança e amor.

Mas, infelizmente, esse não era o quadro completo pois, junto com as elevadas qualidades cristãs, a igreja era culpada de transgressão moral. A igreja tolerava uma pretensa profetisa maligna, simbolicamente chamada Jezabel por causa da esposa perversa de Acabe, que estava desviando servos de Cristo, levando-os à imoralidade sexual bem como à idolatria. Cristo lhe havia dado tempo para se arrepender, mas ela não se dispunha a tanto, de modo que o julgamento recairia sobre ela.

A santidade do autocontrole e da semelhança a Cristo é outra característica essencial de uma igreja viva. A tolerância não é uma virtude se o que se tolera é o mal. Deus ainda diz a seu povo: “Sejam santos porque eu sou santo”.

Sinceridade. A carta de Cristo a Sardes é a única que não contém nenhum elogio de nenhuma espécie. Antes, ele reclama: “você tem fama de estar vivo, mas está morto”. Essa igreja não parece ter tolerado o erro ou o mal, nem ter sido deficiente em amor, fé ou santidade. Ela apresentava todo sinal de vida e vigor. Mas sua reputação era falsa.

As Escrituras têm muito a dizer sobre a diferença entre reputação e realidade, entre aquilo que os seres humanos veem e o que Deus vê. “O SENHOR não vê como o homem: o homem vê a aparência, mas o SENHOR vê o coração” (1Sm 16.7). Ser obcecado pela aparência e reputação leva naturalmente à hipocrisia (que Jesus odiava) e nos ensina que a sinceridade caracteriza uma igreja viva e verdadeira.

Missão. Ao escrever para Filadélfia, Jesus descreve-se como alguém que detém a chave de Davi com que era capaz de abrir portas fechadas e fechar portas abertas. Assim, ele podia dizer à igreja de Filadélfia: “Eis que coloquei diante de você uma porta aberta que ninguém pode fechar” (3.8). O significado mais provável é que se trata da porta da oportunidade, como quando Paulo escreveu que em Éfeso “se abriu para mim uma porta ampla e promissora” (1Co 16.9). Isso significa que a missão é outra marca de uma igreja verdadeira. Citando G. K. Beale, todas as cartas às igrejas “tratam de maneira geral da questão do testemunho em favor de Cristo em meio a uma cultura pagã”.4

Talvez isso seja destacado na carta à Filadélfia por causa de sua localização estratégica. A Filadélfia estava situada num vale amplo e fértil que dominava rotas mercantis em todas as direções. Sir William Ramsay escreveu que a intenção do fundador da cidade fora torná-la centro de disseminação da língua e da civilização grega. Filadélfia “era uma cidade missionária desde o início”. Assim, pode ser que Cristo quisesse que Filadélfia fosse agora para a disseminação do evangelho o que fora para a cultura grega. A porta estava escancarada. Ainda que a igreja fosse comparativamente fraca, preci­sava atravessar a porta com ousadia, levando as boas novas.

Integridade. Não pode haver dúvidas acerca da mensagem de Cristo à igreja de Laodiceia: ele quer que sua igreja seja caracterizada pela integridade. Ele é muito franco. Cristo prefere que seus discípulos sejam ou quentes em sua devoção a ele ou gelados em sua hostilidade, e não mornos em sua indiferença. Ele considera a mornidão nauseante.

Do lado diretamente oposto de Laodiceia, do outro lado do Rio Lico, ficava Hierápolis, cujas fontes quentes enviavam águas tépidas por sobre os penhascos de Laodiceia, deixando depósitos de calcário que podem ser vistos ainda hoje. Assim, o adjetivo “laodiceno” entrou no vocabulário inglês para denotar pessoas mornas quanto à religião, política ou qualquer outro assunto. Laodiceia parece representar uma igreja que por fora é respeitável, mas superficial por dentro, uma das igrejas puramente nominais com que estamos familiarizados.

Quando a metáfora muda para mendigos nus e cegos, começamos a perguntar se os membros da igreja de Laodiceia eram de algum modo cristãos genuínos. Então ela muda de novo para a de uma casa vazia. Cristo coloca-se à porta, bate, fala e espera. Se abrirmos a porta, ele entra, não só para comer conosco, mas para tomar posse. Essa é a essência da integridade a que Cristo nos chama.

Assim, o Senhor ressuscitado revela-se como o pastor principal de seu rebanho. Vigiando, inspecionando e supervisionando suas igrejas, ele possui um conhecimento íntimo delas e é capaz de apontar as sete marcas que gostaria de ver manifestas em todas as igrejas: amor a ele e a disposição de sofrer por ele, verdade doutrinária e santidade de vida e dedicação à missão, junto com sinceridade e integridade em tudo.

Também observamos a igreja afligida internamente pelo pecado, erro e letargia e, externamente, por tribulação e perseguição, especialmente pela tentação de trair Cristo por César e pelos riscos reais de martírio.

Assim, com Apocalipse 4 nos voltamos abruptamente da igreja sobre a terra para a igreja no céu, de Cristo entre candelabros cintilantes para Cristo bem no centro do trono imutável de Deus. É o mesmo Cristo, mas de uma perspectiva inteiramente diferente.

Notas
1 – A Epístola de Inácio aos Efésios, cap. 6.
2 – O Martírio de Policarpo, cap. 9-16 em B. J. Kidd (ed.), Documents Illustrative of the History of the Church (SPCK, 1938), vol. 1, p. 68-71.
3 – C. J. Hermer, The Letters to the Seven Churches of Asia in their local setting (JSOT Press, 1986), p. 87, cf. p. 104.
4 – Beale, Revelation, p. 226. 11 W. M. Ramsay, The Letters to the Seven Churches of Asia (Hodder & Stoughton, 1904), p. 391-392.

Por John Stott.Texto originalmente publicado em O Incomparável Cristo, da ABU Editora.

Nenhum comentário:

Postar um comentário