Depois de ler o artigo intitulado “Ao Cometer Suicídio, o Cristão Perde
a Salvação?” de autoria de Miguel Núñez, publicado na página do Ministério Fiel
na internet, resolvi comentar o assunto, porém sob uma perspectiva e análise
definitivamente bíblica. O grande reformador do século XVI, Martinho Lutero,
trouxe a lume o que comumente chamamos de “os cinco pilares da reforma
protestante,” que são também conhecidos como “os cinco solas da reforma
protestante”. Esses pontos surgem com o propósito de se oporem ao pensamento,
conduta e ensino da igreja romana da época. Os cinco Solas são: Soli Deo
Gloria; Sola Fide; Sola Gratia; Sola Christus e Sola Scriptura. A palavra
‘Sola’ é uma palavra latina que significa “somente”. Quero porem, destacar aqui
apenas o ponto conhecido como ‘Sola Scriptura,’ ou seja, somente a Escritura. Esse
pilar da reforma protestante mostra que somente as Escrituras são a única regra
de fé e prática para o crente. As tradições [humanas] as bulas e os escritos
papais não têm, não podem ser ou mesmo servem de instrumento de fé e prática
para o rebanho de Cristo, somente as Escrituras Sagradas. Elas foram escritas
por homens inspirados por Deus, são instrumentos de revelação da vontade de
Deus para nossa vida. Ao lê-la somos iluminados pelo Espírito Santo para
entendê-la. Martinho Lutero escreve:
"Então, achei-me
recém-nascido e no paraíso, toda as Escrituras tinham para mim outro aspecto,
perscrutava-as para ver tudo quanto ensinam sobre a justiça de Deus"
A Confissão de Fé de Westminster declara categoricamente a respeito da
autoridade da Escritura Sagrada:
A autoridade da Escritura
Sagrada, razão pela qual deve ser crida e obedecida, não depende do testemunho
de qualquer homem ou Igreja, mas depende somente de Deus (a mesma verdade) que
é o seu Autor; tem, portanto, de ser recebida, porque é a Palavra de Deus.
Todo o conselho de Deus concernente a todas as coisas necessárias para
a glória dele e para a salvação, fé e vida do homem, ou é expressamente
declarado na Escritura ou pode ser logicamente e claramente deduzido dela. À
Escritura nada se acrescentará em tempo algum, nem por novas revelações do
Espírito, nem por tradições dos homens; reconhecemos, entretanto, ser
necessária a íntima iluminação do Espírito de Deus para a salvadora compreensão
das coisas reveladas na Palavra, e que há algumas circunstâncias, quanto ao
culto de Deus e ao governo da Igreja, comuns às ações e sociedades humanas, as
quais têm de ser ordenadas pela luz da natureza e pela prudência cristã,
segundo as regras da Palavra, que sempre devem ser observadas.
CRENÇA NA PALAVRA DE DEUS OU NO ARGUMENTO HUMANO?
Nós calvinistas reformados somos conhecidos pela defesa da Palavra
genuinamente bíblica e da centralidade da Escritura como sendo ela a autoridade
máxima em matéria de fé. Temos pregado, ensinado e exortado através da Palavra
de Deus, que aqueles que foram chamados por Cristo segundo o Seu decreto, devem
viver em conformidade às Sagradas Escrituras e não segundo o testemunho de
homens que são guiados por ventos de doutrina: “Se admitimos o testemunho dos homens,
o testemunho de Deus é maior [...]. Outra razão ainda temos nós para,
incessantemente dar graças a Deus: é que, tende vós recebido a palavra que de
nós ouvistes, que é de Deus, acolhestes não como Palavra de Homens e sim como
em verdade é, a palavra de Deus, a qual, com efeito, está operando eficazmente
em vós, os que credes.” (1Jo 5.9ª; 1Ts 2.13)
A VERDADEIRA CONVICÇÃO DE FÉ NÃO PROCEDE DO CONHECIMENTO NATURAL DE
MUNDO, MAS DA REVELAÇÃO E ILUMINAÇÃO PROVENIENTES DE DEUS
Independente da cultura, da religião ou do meio em que vivemos, todo o
conhecimento adquirida ao longo dos anos, tem sido transmitido aos seres
humanos pela experiência e pela visão de mundo, de geração a geração, pelos
antepassados (pais, avós etc.). O momento da descoberta da vida, da assimilação
e compreensão dos valores morais, éticos e até mesmo espirituais pela percepção
da lógica humana deram-se no instante em que ouve a transmissão de dados e
informações que permitiram ao ser humano registrá-los na memória e em seu sub
consciente, e assim, o homem tornou-se capaz de decidir entre o certo e o
errado, entre o bem e o mal. A linguagem é tão fundamental para o ser humano
que pode até mesmo defini-lo. Através da linguagem o homem expressa o mundo e
se expressa no mundo. Além disso, todas as produções e ações humanas não
poderiam ser registradas ou mesmo compartilhadas se a linguagem, de certo modo,
não as objetivasse, seja através de proferimentos, sentenças, gestos, hábitos
ou quaisquer outras manifestações expressivas. As ações, intenções, crenças e o
que define o ser humano em suas convicções, é o reflexo de tudo aquilo que ele
aprendeu durante a vida, inclusive aquilo que ele provavelmente chama de fé.
As respostas que damos ao mundo sobre Deus, não podem ter sua origem
unicamente no ponto de vista do mundo, nem tão pouco proceder do conhecimento
natural do homem, mas do conhecimento revelado por Deus a nós pela Escritura
Sagrada mediante a iluminação do Espírito Santo. Ou cremos na suficiência da Bíblia
para responder os questionamentos do mundo sobre Deus, ou rejeitamos esta
revelação e partimos do pressuposto que o homem natural é suficientemente capaz
de interpretar sozinho (sem a Bíblia) as questões espirituais mais conflitantes
da alma. Lembremos o que o apóstolo Paulo nos ensina sobre a capacidade do
homem natural: “Ora, o homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus,
porque lhe são loucura; e não pode entende-las, porque elas se discernem
espiritualmente” (1Co 2.14).
Diz Berkhof:
A consciência religiosa do homem substituiu a Palavra de Deus como a
fonte da teologia. A fé na Escritura como autorizada revelação de Deus foi
desacreditada, e a compreensão humana, baseada na apreensão emocional ou
racional do homem, tornou-se o padrão do pensamento religioso. A religião
gradativamente tomou o lugar de Deus como objeto da teologia. O homem deixou de
ser ou de reconhecer o conhecimento de Deus como algo que lhe foi dado na
Escritura e começou a orgulhar-se de ter a Deus como seu objeto de pesquisa. No
curso do tempo tornou-se comum falar do descobrimento de Deus feito pelo homem,
como se o homem alguma vez o tivesse descoberto; e toda descoberta feita nesse
processo foi dignificada com o nome de “revelação”.
Quando Pedro diz: “antes, santificai a Cristo, como Senhor, em vosso
coração, estando sempre preparados para responder a todo aquele que vos pedir a
razão da esperança que há em vós” (1Pe 3.15), ele tinha em mente, exatamente a
fonte do verdadeiro conhecimento – “Jesus Cristo”. Como alguém pode testificar
da esperança, confiança e fé em Deus, sem que antes tenha bebido da fonte da
verdade e da vida? A fonte da nossa fé é que determina o quanto ela é falsa ou
verdadeira. Se a fé que alguém professa está apoiada em sabedoria humana, vale
a pena lembrar a advertência que o apóstolo Paulo dá a igreja de Colossos
contra falsos ensinos: “Cuidado que ninguém vos venha a enredar com sua
filosofia e vãs sutilezas, conforme a tradição dos homens, conforme os
rudimentos do mundo e não segundo Cristo” (Cl 2.8). Cristo é a fonte da
verdadeira fé.
Portanto, a fé não é produto do meio em que vivemos, nem é produzida
por vontade humana, mas é fruto da graça sobrenatural de Deus, dada aos homens
não por méritos, mas por graça para a salvação pela obra do Espírito de Cristo
operada pelo ministério da Palavra. Bem assim nos diz a Confissão de Fé de
Westminster:
A graça da fé, por meio da qual os eleitos são habilitados a crer para
a salvação da sua alma, é obra que o Espírito de Cristo faz no coração deles, e
é ordinariamente operada pelo ministério da Palavra [...].
Até aqui, para uma melhor compreensão, falamos a respeito da
centralidade da Palavra de Deus a qual tem sobre nós exclusiva autoridade em
matéria de fé. O que implica dizer que para expressar qualquer doutrina em
relação a fé genuinamente cristã é necessário que esta mesma fé não seja
superficial, baseada em tradições humanas, mas unicamente alicerçada na
revelação suprema de Deus aos homens - Sua Palavra inspirada: “Toda Escritura é
inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção,
para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e
perfeitamente habilitado para toda boa obra.” (2Tm 3.16)
O PONTO DE VISTA DA CRENÇA DO PECADO DO SUICÍDIO É HUMANO OU BÍBLICO?
Um dos pontos abordados pelo argumento de Núñez no início de seu
artigo é a comparação pejorativa que ele faz entre a “crença Católica” no
pecado do suicídio e a relação dessa doutrina com o cristianismo em geral e que
justificaria, segunde ele, a crença da maioria dos cristãos na mesma doutrina.
Diz Núñez:
“Aqueles de nós que crescemos no catolicismo sempre ouvimos que o
suicídio é um pecado mortal que irremediavelmente envia a pessoa para o
inferno. Para muitos que têm crescido com essa posição, é impossível
despojar-se dessa ideia.”
Núñez não fala do ponto de vista bíblico como fonte segura da doutrina
do pecado do suicídio; na verdade ele diz desconhecer qualquer argumento
extraído dessa fonte, e, parece desconsiderá-la usando como argumento principal
a religião Católica como sendo o único fundamento da doutrina. Sabemos que não
somente na igreja Católica, mas também em outras religiões, encontramos pontos
de concordância e discordância quanto aos aspectos relevantes a fé cristã. Em
se tratando do catolicismo e protestantismo, [...] convém lembrar o que é mais
importante: os seus pontos de concordância. Esses pontos podem resumir-se
dizendo que católicos e protestantes aceitam os símbolos de Fé conhecidos por
“Credo de Nicéia” e “Constantinopla” (381 A.D.) e o “Credo dos Apóstolos”
(também do século IV). Alguns grupos protestantes nunca recitam qualquer Credo,
mais por falta de hábito no uso de textos litúrgicos que por razões
doutrinárias. Mas as doutrinas nestes dois Credos enunciados são de fundamento
bíblico. Nem se põe nenhum problema aos evangélicos relativamente à expressão
“Credo na Igreja, una, santa, católica e apostólica”. A cultura mais elementar
sabe que “católica” é a Igreja Universal, composta de todos os que professam a
fé em Jesus Cristo, o Senhor. Assim, visto que aqueles dois Credos encerram os
princípios essenciais do Cristianismo, podemos dizer serem enormes os pontos de
concordância entre o Católicismo e o Protestantismo. Não negamos é claro, os
incontestáveis pontos contraditórios entre estas duas expressões da fé cristã.
Segue um breve resumo de algumas das mais importantes diferenças: a instituição
do culto aos santos em 375; a instituição do culto a Maria à partir do Concílio
de Éfeso, cidade em que a divindade feminina pagã, Diana dos Efésios, era
adorada, em 431; a doutrina do purgatório em 503; a adoração a imagens e
relíquias em 783; a criação do rosário em 1090; e a proibição da leitura da
Bíblia em 1229.12 A questão principal não são as divergências, mas os pontos de
concordância. Infelizmente o que Núñez quis fazer, foi tentar desacreditar a
doutrina do pecado do suicídio, levando seus leitores a ponderar apenas o lado
negativo das divergências existentes entre católicos e protestantes. Na
realidade, o fundamental não é o ponto de vista religioso desta ou daquela religião,
mas sim, o ponto de vista Bíblico. Falando sobre a maravilhosa oportunidade que
cada um de nós tem de descobrir na Bíblia o seu verdadeiro significado sem a
influência do meio, Antônio Renato Gusso diz:
[...] É uma atitude sadia, dando a cada um a oportunidade de descobrir
qual é a verdade de Deus para o seu povo, sem o perigo de ser influenciado
nessa descoberta por pessoas mal intencionadas, que procuram impor o seu
próprio ponto de vista, com a intenção de prender seus seguidores sob esta ou
aquela doutrina humana, apresentada com uma roupagem aparentemente divina. Essa
liberdade, contudo, não nos dá o direito de interpretá-la da maneira que
quisermos ou que mais agrade. Como não queremos ver a Bíblia sendo usada para
este ou aquele interesse, nós também não podemos usá-la conforme os nossos
interesses.
O HOMEM NATURAL E O PODER DO PECADO SOBRE ELE
A relevância da questão, se o cristão perde ou não a salvação quando
comete suicídio, não se encontra nos argumentos humanos, nos achismos, nas
conjecturações, e sim, na fidedigna Palavra de Deus. A pergunta que se deve
fazer é: O que a Bíblia diz de fato? Mas antes de responder a esta pergunta,
para uma melhor compreensão, devemos responder a outra: Quem é o homem natural?
A doutrina da Depravação Total ensina que o homem é escravo de Satanás
e morto em seus delitos e pecados. É incapaz de pela sua própria vontade
orientar-se na direção da sua própria salvação. Somente Deus pode operar o
milagre da regeneração para que o homem possa crer em Cristo.14 Mais nem sempre
foi assim: Deus criou o homem, macho e fêmea, conforme a sua própria imagem, em
conhecimento, retidão e santidade, com domínio sobre as criaturas. A natureza
do homem criado por Deus era perfeita em todos os sentidos, principalmente
porque o Senhor dotou a vontade do homem de liberdade a qual comumente chamamos
de "Livre-Arbítrio". Foi exatamente com este
"livre-arbítrio" que o homem decidiu pela desobediência, escolhendo
perder todos os privilégios de um homem livre para se tornar escravo do pecado.
A Bíblia fala de duas classes distintas de homens, os regenerados e os
não-regenerados. Os não-regenerados são aqueles cuja natureza caída é
naturalmente corrompida pelo mal e cujo desejo é escravo do pecado. Diz a
Escritura: “Ele vos deu vida,estando vós mortos nos vossos delitos e pecados”
(Ef 2.1) A expressão “morto em pecado” refere-se à vontade naturalmente
corrompida do não-regenerado. [...] É esta vontade, portanto, que é restaurada
pelo Espírito Santo na nossa conversão. O Espírito Santo implanta nela um novo
princípio de vida espiritual e santidade. [...] Assim pois, uma tal obra do Espírito
Santo em nossas vontades é necessária para que sejam curadas e se lhes extirpe
a corrupção. A vontade deve ser libertada do estado de morte espiritual para
ser capacitada a viver para Deus; deve ser renovada e submetida a um novo
princípio governante de fé e obediência.
O homem está sujeito a obedecer incondicionalmente ao pecado que o
escraviza; é incapaz de responder positivamente a Deus por sua própria vontade;
não aceita e tão pouco pode entender as coisas do Espírito de Deus. O
conhecimento que dizem ter de Deus é superficial: “porquanto, tendo
conhecimento de Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças;
antes, se tornaram nulos em seus próprios raciocínios, obscurecendo-se-lhes o
coração insensato. Inculcando-se por sábios, tornaram-se loucos” (Rm 1.21,22).
Esse mesmo homem natural é capaz de dar cabo à própria vida sem titubear um só
instante: “E por haverem desprezado o conhecimento de Deus, o próprio Deus os
entregou a uma disposição mental reprovável, para praticarem coisas inconvenientes,
cheios de toda injustiça, malícia, avareza e maldade; possuídos de inveja,
homicídio, contenda e malignidade; sendo difamadores, caluniadores, aborrecidos
de Deus, insolentes, soberbos, presunçosos, inventores de males, desobedientes
aos pais, insensatos, pérfidos, sem afeição natural e sem misericórdia” (Rm
1.28-31).
O Breve Catecismo diz:
Todo o gênero humano, pela sua queda, perdeu a comunhão com Deus, está
debaixo de sua ira e maldição, e assim ficou sujeito a todas as misérias nesta
vida, à própria morte e às penas do Inferno para sempre.
OS REGENERADOS EM CRISTO ESTÃO SUJEITOS AO PODER DO PECADO?
Deus pela sua graça alcança e regenera o pecador perdido. A graça de
Deus não pode ser obstruída. Sua graça é irresistível. Esse é o dom da vida
eterna, a regeneração. Todos os mortos (alienados de Deus) longe da presença de
Deus, são levados a Satanás, o deus dos mortos. Todos os espíritos vivos
(regenerados) são guiados irresistivelmente para Deus, o Deus da Vida. E Deus
por sua própria vontade entrega o Espírito da vida a seus eleitos. Agindo Deus
nos seus eleitos há uma reversão de polaridade espiritual; mortos (em delitos e
pecados) para vivificados (em Cristo) e então direcionados para o
Criador.19“Ninguém pode vir a mim se o Pai, que me enviou, não o trouxer; e eu
o ressuscitarei no último dia. Está escrito nos profetas: E serão todos
ensinados por Deus. Portanto, todo aquele que da parte do Pai tem ouvido e
aprendido, esse vem a mim” (Jo 6.44,45).
Diz ainda a Confissão de Fé de Westminster:
Todos aqueles a quem Deus predestinou para a vida, e só esses, é ele
servido chamar eficazmente pela sua Palavra e pelo seu Espírito, no tempo por
ele determinado e aceito, tirando-os daquele estado de pecado e morte em que
estão por natureza para a graça e salvação, em Jesus Cristo. Isso ele faz
iluminando o entendimento deles, espiritual e salvificamente, a fim de
compreenderem as coisas de Deus, tirando-lhes o coração de pedra e dando-lhes
um coração de carne, renovando as suas vontades e determinando-as, pela sua
onipotência, para aquilo que é bom, e atraindo-os eficazmente a Jesus Cristo,
mas de maneira que eles vêm mui livremente, sendo para isso dispostos pela
graça.
Com a regeneração, os cristãos são libertos do poder do pecado, ou
seja, o pecado não tem mais domínio sobre eles. O homem natural continua
escravo do pecado, mas o homem regenerado é nova criatura. Tudo isso é obra do
Espírito Santo. Ele nos traz à vida; nós que estávamos mortos em nossos delitos
e pecados. Dá-nos um novo coração e põe em nós um novo espírito. Escreve a Sua
lei em nossos corações para que possamos conhecer e executar a Sua vontade e
assim andar em Seus caminhos. É ele quem opera em nós o querer e o efetuar da
Sua boa vontade. Quem transforma os outrora mal dispostos e obstinados em
solícitos e obedientes, e isso pela livre escolha e vontade deles mesmos. Desse
modo implanta em nossos corações um prevalecente amor de Deus, que faz as
nossas almas se apegarem a Ele e aos Seus caminhos com gozo e satisfação. Por
sua própria natureza o coração é depravado de tal forma que a mente e a vontade
buscam atender à concupiscência que nele há. Mas o Espírito Santo circuncida o
coração com a sua lascívia e desejos, e enche-nos de amor santo e espiritual,
alegria, temor e gozo. O Espírito Santo não modifica a essência de nossos
desejos mas santifica-os e guia-os com Sua luz salvadora e com o Seu
conhecimento. Assim Ele associa os desejos ao seu objetivo apropriado que é
Cristo.
A regeneração é a disposição que a pessoa tem, em Cristo, para viver
uma nova vida. A partir da regeneração a pessoa passa a desejar o que é bom e
justo [...] O toque regenerador do Espírito Santo leva a pessoa à conversão:
“Conversão é o resultado da ação do Espírito Santo que leva o pecador a
arrepender-se de seus pecados e a crer em Cristo como Salvador e Senhor”.É
impossível que um verdadeiro cristão viva a pecar, porque: “se alguém não tem o
Espírito de Cristo, esse tal não é dele [...]. Sabemos que todo aquele que é
nascido de Deus não vive em pecado; antes, Aquele que nasceu de Deus o guarda,
e o Maligno não lhe toca” (Rm 8.9; 1Jo 5.18).
Os regenerados em Cristo não estão sujeitos ao poder do pecado como
escravos dele, mas podem ser influenciados a pecar por causa dos pensamentos e
desejos que ainda lhe são comuns. Muitos podem pensar que, uma vez que uma
pessoa se torna crente, ela nunca mais luta contra o pecado, nem peca. É
verdade que aquilo que é nascido no crente não pode pecar e nunca vai pecar (I Jo.
3.9; 5.18). O que nasce é a natureza divina no crente. A natureza divina no
crente não pode pecar, mas o crente pode. Também é verdade que aquele nascido
de Deus não vive dominado pelo pecado. Mesmo ele caindo, levanta (Pv. 24.16). O
pecado que o crente tem é ligado a ele por ele viver no mundo (I Jo. 2.16) e
ter o pecado ainda nos seus membros (Rm. 7.23). Enquanto o crente for carne,
terá o problema do pecado (“... o espírito está pronto, mas a carne é fraca.”
Mt 26.41). Se não houvesse a possibilidade do crente ser influenciado pelo
pecado, Davi não teria orado: “Expurga-me tu dos que me são ocultos.” (Sl.
19.12; 119.133) e nem teria dito: “O meu pecado está sempre diante de mim” (Sl.
51.3). Jesus também não teria orado ao Pai que “os livres do mal” (Jo. 17.15).
Paulo travava uma luta constante contra o seu pecado o que o fez lamentar:
“Miserável homem que eu sou! Quem me livrará do corpo desta morte?” (Rm. 7.24).
É fato bíblico que o crente peca (Pv. 20.9; 24.16; Ec. 7.20), pois,
ele é enfraquecido pela carne (“O que é nascido da carne é carne, e o que é
nascido do Espírito é espírito.” Jo 3.6). Tanto a realidade da presença do
pecado na vida do crente quanto à nova natureza são vistas claramente na
doutrina da santificação que envolve a correção de Deus (Hb. 12.5-13). Se não
houvesse pecado na vida do crente, nunca haveria a correção. Se alguém que se
acha crente, não conhece a mão pesada de Deus que corrige seus filhos
levando-os a serem “participantes da Sua santidade” (Hb. 12.10), esse tal não
tem razão nenhuma de se achar salvo. Mesmo havendo a capacidade de pecar, o
crente é responsável por não pecar (“sede vós também santos em toda a vossa
maneira de viver”; “estas coisas vos escrevo para que não pequeis” 1Pe 1.15;
1Jo 2.1). A possibilidade de pecar nunca é uma razão para se desculpar a ação
do pecado, mas uma forte razão para vigiar (Mt. 26.41) para que não entremos em
tentação. Quem está salvo tem uma nova natureza feita por Deus em Cristo que
luta contra o pecado (“e estes opõem-se um ao outro”; “que batalha contra a lei
do meu entendimento” Gl 5.17; Rm 7.23). Antes de ser Cristão, o salvo não tinha
forças nenhuma para dominar o pecado (Rm. 8.8). Em Cristo, o Cristão tem o que
é necessário para dominar o pecado (Mt. 26.41; Fp. 4.13; I Jo. 4.4). Quando o
crente peca, ele não cessa de ser filho de Deus (Rm 8.14-17); não perde a vida
eterna (Jo 3.16); não perde a presença do Espírito Santo (Sl 139.7); não se
torna desqualificado para ir para o céu (Cl 1.12,13).
Os regenerados podem mostrar-se relapsos e cair em pecado. Quando isso
ocorre, eles se opõem à sua nova natureza e o Espírito Santo os convence do seu
pecado (cf. Jo 16.8) e os compele a arrepender-se e a serem restaurados à sua
condição de justificados. Quando os crentes regenerados mostram o desejo
humilde e grato de agradar a Deus, que os salvou, o reconhecimento de que Deus
se comprometeu a guarda-los salvos para sempre aumenta esse desejo.
MESMO DEPOIS DE TER SIDO REGENERADO, SALVO E JUSTIFICADO POR CRISTO, O
CRENTE PODE COMETER O PECADO DO SUICÍDIO?
Vamos levar em conta as seguintes perguntas: o que é, e o que leva uma
pessoa a cometer suicídio? Suicídio é o ato de tirar a própria vida intencionalmente
[...]. O suicídio e os comportamentos suicidas normalmente ocorrem com:
Transtorno de personalidade limítrofe, depressão, dependência de drogas ou
álcool. As pessoas que cometem suicídio normalmente estão tentando fugir de uma
situação de vida que lhes parece impossível de enfrentar. Muitas pessoas que
tentam suicídio estão buscando alívio por: sentirem-se envergonhadas, culpadas
ou por serem um peso para os demais; sentirem-se vítimas; sentimentos de
rejeição, perda ou solidão. Os comportamentos suicidas podem ser causados por
uma situação ou acontecimento que a pessoa encara como devastadora, por
exemplo: envelhecimento (os idosos têm a maior taxa de suicídios); a morte de
uma pessoa querida; dependência de drogas ou álcool; trauma emocional; doença
física grave; desemprego ou problemas financeiros [...]. A maioria das
tentativas de suicídio não resulta em morte. Muitas dessas tentativas são
feitas de forma que o resgate seja possível. [...] Algumas pessoas tentam o
suicídio de forma não violenta, como envenenamento ou overdose. Os homens,
principalmente idosos, têm mais probabilidade de escolher métodos violentos,
como atirar em si mesmos. Como resultado, as tentativas de suicídio de homens
têm mais chances de resultar em morte. Os parentes de pessoas que tentam ou
cometem suicídio, muitas vezes se culpam ou ficam furiosos. Eles podem ver a
tentativa de suicídio como egoísta. No entanto as pessoas que tentam cometer
suicídio em geral acreditam erroneamente que, ao deixar o mundo, estão fazendo
um favor a seus amigos e parentes. Muitas vezes, mas não sempre, uma pessoa
pode apresentar determinados sintomas ou comportamentos antes de uma tentativa
de suicídio, incluindo: a) Dificuldade para se concentrar ou pensar claramente;
b) Doar seus pertences; c) Falar sobre ir embora ou sobre a necessidade de
“organizar minhas coisas”; d) Mudança repentina de comportamento,
principalmente estando calmo após um período de ansiedade; e) Perda de
interesse em atividades que costumava se divertir; f) Comportamentos
autodestrutivos, como beber muito álcool, usar drogas ilegais ou cortar o
próprio corpo; g) Afastar-se dos amigos ou não querer sair; h) Repentinamente,
começar a ter problemas na escola ou no trabalho; i) Falar sobre morte ou
suicídio, ou mesmo dizer que quer se ferir; j) Dizer que se sente desolado ou
culpado; l) Mudança nos hábitos de sono ou de alimentação.
Em suma, o suicida é uma pessoa totalmente alheia e mentalmente
indisposta a responder positivamente à vida. O suicida é incapaz de procurar em
Deus a paz e o refrigério que emana da graça divina. O crente, apesar da
possibilidade de cair em pecado, das tentações de Satanás e do mundo, e ainda
que possa passar pela pior tribulação ou sofrimento, repousa seguro nas
promessa do Senhor: “Não vos sobreveio tentação que não fosse humana; mas Deus
é fiel e não permitirá que sejais tentados além das vossas forças; pelo
contrário, juntamente com a tentação, vos proverá livramento, de sorte que a
possais suportar” (1Co 10.13). O verdadeiro cristão pode até imaginar que a
morte seja verdadeiramente um descanso para a alma sofredora, e de fato é, mas
nunca desejar a morte através do suicídio: “Porque não queremos irmãos, que
ignoreis a natureza da tribulação que nos sobreveio na Ásia, porquanto foi acima
das nossas forças, a ponto de desesperarmos até da própria vida. Contudo, já em
nós mesmos, tivemos a sentença de morte, para que não confiemos em nós, e sim
no Deus que ressuscita os mortos; o qual nos livrou e livrará de tão grande
morte; em quem temos esperado que ainda continuará a livrar-nos...” 2Co1.8-10).
O regenerado não pode cair totalmente (viver na prática do pecado) e nem
finalmente (sucumbir à morte sem Cristo) do estado de graça em que se encontra,
porque Deus o guarda na segurança da salvação. Diz a Confissão de Fé de
Westminster:
Os que Deus aceitou em seu Bem-amado, os que ele chamou eficazmente e
santificou pelo seu Espírito, não podem cair do estado de graça, nem total nem
finalmente; mas com toda a certeza hão de perseverar nesse estado até o fim, e
estarão eternamente salvos.
De todos os pecados que o homem pode cometer contra si mesmo e contra
a Santidade de Deus, o único que nega veemente a eficácia da operação do Senhor
através do Espírito Santo, o qual tem por missão convencer o homem do pecado,
da justiça e do juízo (Rm 16.8), é o pecado do suicídio. O suicídio é a forma
mais cruel de alguém dizer adeus. Não há chance para apelação ou
reconsideração. O suicídio é uma declaração pública de protesto contra a vida,
contra pessoas, contra situações e contra Deus.27 Acima de tudo, o suicídio é o
grito da alma contra a operação regeneradora e salvadora do Espírito Santo de
Deus. É a crença na paz, no alívio da dor e do sofrimento através de um ato
pessoal, agindo contra si mesmo ao invés de crer que Deus é capaz de suprir
todos os anseios da alma. O suicídio não é o grito desesperado de uma alma
sofredora, mais sim, o reflexo de uma alma inconversa, perdida, vazia, sem
esperança, sem fé, sem Deus, sem vida e condenada à morte eterna:“Em verdade
vos digo que tudo será perdoado aos filhos dos homens: os pecados e as
blasfêmias que proferirem. Mas aquele que blasfemar contra o Espírito Santo não
tem perdão para sempre, visto que é réu de pecado eterno” (Mc 3.28,29).
A Bíblia fala do pecado imperdoável. Um pecado que não será perdoado,
nem neste mundo nem no vindouro. É registrado pelos três Evangelhos Sinóticos
(Mt 12.31,32; Mc 3.28-30; Lc 12.10). [...]. Como a Bíblia ensina, Deus perdoou
pecados de incesto, assassinatos, mentira e, mesmo, os pecados de Paulo como
perseguidor da Igreja, pecados que Paulo cometeu quando respirava "ameaças
e morte contra os discípulos do Senhor (At 9.1). O que torna diferente dos
outros o pecado imperdoável é a relação com o Espírito Santo. A obra do Espírito
Santo é iluminar a mente dos pecadores (Ef 1.17,18), revelar e ensinar o
evangelho (Jo 14.26), persuadir as almas a arrepender-se e a crer na verdade
(cf. At 7.51). O Espírito não só explica a Palavra de Deus, mas também abre a
mente de modo que ela possa ser entendida (2Co 3.16,17) [o Espírito Santo é
quem nos faz entender por exemplo, que Deus nos dá verdadeira paz mesmo em meio
a grandes tribulações: "Quando passares pelas águas, eu serei contigo;
quando, pelos rios, eles não te submergirão; quando passares pelo fogo, não te
queimarás, nem a chama arderá em ti. Porque eu sou o Senhor, teu Deus, o Santo
de Israel, o teu Salvador..."(Is 43.2,3). Está é apenas uma das inúmeras
promessas de Deus concernente ao seu cuidado para conosco espalhadas por toda a
Bíblia. Negar esta revelação é nunca ter tido uma verdadeira experiência de
conversão]. Quando a influência do Espírito é deliberadamente e conscientemente
recusada, em oposição à luz, então o pecado irreversível pode ser cometido como
um ato voluntário e deliberado [...]. Em resposta a essa atitude, há um
endurecimento do coração, vindo da parte de Deus, que impede o arrependimento e
a fé (Hb 3.12,13). Qualquer pessoa que nasceu de novo não cometerá esse pecado,
porque o Espírito vive nela e Deus não está dividido contra si mesmo (1Jo 3.9).
Os outros versículos que tratam do pecado imperdoável são: Hb 6.4-6; 10.26-29;
1Jo 5.16,17. Esses versículos mostram que a possibilidade de esse pecado ser
cometido depende de ter havido iluminação e entendimento específico da parte de
Deus [...].
Portanto, a questão não é nivelar o pecado do suicídio no mesmo
sentido de um pecado sujeito ao perdão de Deus, o suicídio é o pecado
imperdoável, porque quem tira a sua própria vida, definitivamente não crê em
Deus e muito menos na operação do Espírito Santo sobre ele. A Bíblia fala dos
que morreram em Cristo (1Ts 4.16), não dos que se mataram em Cristo, ou por
Cristo, ou ainda sem Cristo. Para os que dão cabo a própria vida, tudo é motivo
para fazê-lo, mas o cristão verdadeiro, apesar das circunstâncias e
adversidades sabe: "...que os sofrimentos do tempo presente não podem ser
comparados com a glória a ser revelada em nós" (Rm 8.18), e ainda:
"Quem nos separará do amor de Cristo? será tribulação, ou angústia, ou
perseguição, ou fome, ou nudez, ou perigo, ou espada? [...] Em todas estas
coisas, porém, somos mais que vencedores, por meio daquele que nos amou. Porque
eu estou bem certo de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem
principados, nem as coisas do presente, nem do porvir, nem poderes, nem a
altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do
amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor" (Rm 8.35,37-39). Por
que o cristão desejaria se matar, se o próprio Senhor Jesus Cristo prometeu
paz, alertou sobre as aflições desta vida e orientou-nos a ter bom animo?
"Estas coisas tenho dito para que tenhais paz em mim. No mundo, passais
por aflições; mas tende bom animo; eu venci o mundo" (Jo 16.33). O
verdadeiro salvo não se suicida; ele foi salvo da morte e não para a morte:
"quem tem o filho, tem a vida; quem não tem o Filho de Deus, não tem a
vida" (1Jo 5.12).
Os suicidas fazem parte daquele grupo denominado não-eleitos;
independentes de quem sejam: pessoas comuns, pastores, filhos de pastores,
sacerdotes, crentes e os assim nominalmente denominados cristãos. Ainda que
tenham sido chamados pelo ministério da Palavra e tenham um certo conhecimento
de Deus, e mesmo tendo vivenciado experiências pelo Espírito, não serão em
tempo nem por meio algum salvos: “Muitos, naquele dia, hão de dizer-me: Senhor,
Senhor! Porventura, não temos nós profetizado em teu nome, e em teu nome não
expelimos demônios, e em teu nome não fizemos muitos milagres? Então lhes direi
explicitamente: nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, os que praticais a
iniquidade” (Mt 7.22,23). A
Confissão de Fé de Westminster diz:
Os não-eleitos, ainda que sejam chamados pelo ministério da Palavra e
tenham algumas das operações comuns do Espírito, contudo jamais chegam a Cristo
e, portanto, não podem ser salvos; muito menos poderão ser salvos por qualquer
outro meio [...], por mais diligentes que sejam em conformar sua vida de acordo
com a luz da natureza e com a lei da religião que professam; asseverar e manter
que o podem, é muito pernicioso e detestável.29
A BÍBLIA TEM ARGUMENTOS SUFICIENTES PARA TRATAR O ASSUNTO DO PECADO DO
SUICÍDIO OU NÃO EXISTE NENHUMA POSSIBILIDADE DE ARGUMENTAÇÃO BÍBLICA?
Os pontos que Miguel Núñez descreve para provar uma suposta
possibilidade de o cristão cometer suicídio são claramente refutados pela
Sagrada Escritura, apesar do próprio Núñez dizer que:
“[...] alguns afirmam que um cristão jamais cometerá suicídio. No
entanto, não existe nenhum versículo ou passagem bíblica que possa ser usado
para categoricamente afirmar essa posição.”
Pelo visto Núñez não está familiarizado, por exemplo, com 1 Coríntios
3.16.17: “Não sabeis que sois santuário de Deus e que o Espírito de Deus habita
em vós? Se alguém destruir o santuário de Deus, Deus o destruirá; porque o
santuário de Deus, que sois vós, é sagrado”. Não resta a mínima dúvida de que o
santuário diz respeito ao nosso próprio corpo. Imaginemos agora, as muitas
formas de destruir este santuário. O suicídio é uma delas.
Primeiro ponto argumentado por Núñes: “Se estabelecemos que o cristão
é capaz de cometer qualquer pecado, por que não conceber que potencialmente ele
poderá cometer o pecado do suicídio?”
Resposta: O cristão é capaz de cometer qualquer pecado, menos o pecado
imperdoável. A diferença é que como nova criatura em Cristo, ele pode rejeitar
o pecado, e mesmo que venha a praticá-lo a sua consciência está cativa à Cristo
e não mais escrava ao pecado para satisfazer a sua vontade. João escreve:
“Filhinhos meus, estas coisas vos escrevo para que não pequeis. Se, todavia,
alguém pecar, temos Advogado junto ao Pai, Jesus Cristo, o Justo” (1 Jo 2.1). O
verdadeiro cristão não comete o pecado do suicídio porque quem se suicida não
crê na operação redentora de Cristo através do Espírito de Deus, portanto este
é o pecado imperdoável de Marcos 3.28 e 29.
Segundo ponto da argumentação de Núñez: “Se estabelecemos que o sangue
de Cristo é capaz de perdoar todo pecado, ele não cobriria esse outro pecado?”
(referência à possibilidade do cristão cometer o pecado do suicídio).
Resposta: Jesus morreu somente pelos eleitos, ou seja, para perdoar
somente os pecados deles: “[...] Além dos eleitos não há nenhum outro que seja
remido por Cristo, eficazmente chamado, justificado, adotado, santificado e
salvo”31 “Eles saíram de nosso meio; entretanto não eram dos nossos; porque se
tivessem sido dos nossos, teriam permanecido conosco; todavia, eles se foram
para que ficasse manifesto que nenhum deles é dos nossos” (1Jo 2.19). Os sintomas
mais característicos de um suicida é a repulsa pela vida e a falta de fé em
tudo, principalmente em Deus. A Bíblia ensina que: “De fato, sem fé é
impossível agradar a Deus...” (Hb 11.6a). Ainda: “Aquele que tem o Filho tem a
vida; aquele que não tem o Filho de Deus não tem a vida” (1Jo 5.12). O suicídio
é falta de fé, e se não há fé não há operação do Espírito de Deus porque a fé é
dom exclusivo de Deus: “Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto
não vem de vós; é dom de Deus” (Ef 2.8)
Terceiro ponto da argumentação de Núñez: “Se o sacrifício na cruz nos
tornou perfeitos para sempre, como diz o autor de Hebreus (7.28; 10.14), não
seria isso suficiente para afirmarmos que nenhum pecado rouba a nossa
salvação?”
Resposta: A Palavra de Deus não diz, como afirma Núñes, que o
sacrifício da cruz nos tornou perfeitos em Hebreus 7.28, mas diz que: “... a
palavra do juramento, que foi posterior à lei, constituíu o Filho, perfeito
para sempre” (referência à Jesus Cristo, o Filho de Deus – ele sim é perfeito).
Já em Hebreus 10.14, a Palavra diz que: “... aperfeiçoou para sempre quantos
estão sendo santificados” (Não fala que nos tornou perfeitos, mas que nos
aperfeiçoou, ou seja, nos tornou um pouco melhores do que somos, enquanto
crescemos no processo da santificação). Lembrando mais uma vez: a salvação é
apenas para os eleitos: “... eleitos, segundo a presciência de Deus Pai, em
santificação do Espírito, para a obediência e a aspersão do sangue de Jesus
Cristo...” (1Pe 1.2). Estes eleitos não são escolhidos após uma profissão de fé
ou no levantar de uma das mãos em resposta a um apelo emocional, ou mesmo por
livre vontade humana, mas eleitos ‘antes da fundação do mundo’: “... assim como
nos escolheu, nele, antes da fundação do mundo, para sermos santos e
irrepreensíveis perante ele...” (Ef 1.4). O único pecado que não leva o homem à
salvação, continua sendo o pecado imperdoável, esta é a blasfêmia contra o
Espírito Santo (conf. Marcos 3.28,29). A Bíblia ensina que o homem não é capaz
de produzir fé verdadeira a partir de si mesmo; é necessário uma operação
sobrenatural do Espírito Santo sobre ele convencendo-o do pecado, da justiça e
do juízo (Jo 16.8). Esse mesmo Espírito é que transforma a Palavra de Deus em
vida e a coloca em nossos corações para que creiamos em o nome do Unigênito do
Pai, Jesus Cristo: “E, assim, a fé vem pela pregação, e a pregação, pela
palavra de Cristo” (Rm 10.17).
Quarto ponto da argumentação de Núñez: “Se até Moisés chegou a desejar
que Deus lhe tirasse a vida, devido à pressão que o povo exerceu sobre ele, não
poderia um paciente esquizofrênico ou na condição de depressão extrema, que não
tenha a força de caráter de um Moisés, atentar contra a sua própria vida de
maneira definitiva?”
Resposta: Um paciente esquizofrênico ou na condição de depressão
extrema (um inconverso), com toda certeza pode atentar contra a sua própria
vida e acabar com ela (suicidar-se). Porém Moisés (um homem temente a Deus),
não desejou em momento algum suicidar-se, mas “desejou que Deus lhe tirasse a
vida”. O cristão, por causa das lutas e tribulações pode até desejar morrer
para estar com Cristo: “Ora, de um e outro lado, estou constrangido, tendo o
desejo de partir e estar com Cristo, o que é incomparavelmente melhor” (Fp
1.23), mas nunca desejar tirar sua própria vida para isso: “Porquanto, para
mim, o viver é Cristo, e o morrer é lucro” (Fp 1.21), ou seja, para o apóstolo
Paulo, Cristo é sua razão de existir. Ao invés de desfazer a união que Paulo
tem com Cristo, a morte vai introduzir Paulo em uma experiência mais profunda
dessa união. Paulo deseja estar com Cristo, mas também deseja permanecer na
terra por causa da igreja. Este é o dilema. Contudo, a decisão está nas mãos de
Deus, e Paulo está confiante de que Deus tem mais trabalho para ele entre os
filipenses.32 Moisés, por exemplo, não desejou suicidar-se por causa dos
problemas. Assim como Jó, Elias e Jeremias, e tantos outros servos de Deus,
todos passaram por grandes problemas a ponto de querer como Paulo estar com
Cristo pela morte, e não pelo suicídio. Com relação ao suicidas a Palavra diz:
“Entretanto, o firme fundamento de Deus permanece, tendo este selo: O Senhor
conhece os que lhe pertencem [...]. Nisto são manifestos os filhos de Deus e os
filhos do Diabo: todo aquele que não pratica justiça não procede de Deus, nem
aquele que não ama a seu irmão. E, se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse
tal não é dele [...]. E, se alguém não foi achado inscrito no Livro da Vida,
esse foi lançado para dentro do lago de fogo” (2Tm 2.19; 1Jo 3.10; Rm 8.9b; Ap
20.15).
Quinto ponto da argumentação de Núñes: “Se não somos Deus e não temos
nenhuma maneira de medir a conversão interior do ser humano, poderíamos afirmar
categoricamente que alguém que deu testemunho de cristão durante sua vida, ao
cometer suicídio, realmente não era um cristão?”
Resposta: Na realidade não podemos saber se uma pessoa é
verdadeiramente salva ou não. Esta afirmação cabe apenas, e individualmente a
cada um: “Examine-se o homem a si mesmo...” (1Co 11.28a). Existe, é claro,
indícios ou marcas que identificam um verdadeiro salvo, mas não é intenção
tentar definir quem é ou quem não é, mesmo porque cada um dará conta de si
mesmo a Deus no dia do juízo: “Vi também os mortos, os grandes e pequenos,
postos em pé diante do trono. Então, se abriram livros. Ainda outro livro, o
Livro da Vida, foi aberto. E os mortos foram julgados, segundo as suas obras,
conforme o que se achava escrito nos livros” (Ap 20.12). Quanto aqueles que
deram testemunho de cristão durante a vida e se suicidaram, diz a Palavra de Deus:
“Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! Entrará no reino dos céus...” (Mt
7.21).
Sexto ponto da argumentação de Núñes: “Baseados na história bíblica e
na experiência do povo de Deus, poderíamos concluir que o suicídio entre os
crentes provavelmente é uma ocorrência extraordinariamente rara, devido à ação
do Espírito Santo e aos meios de graça presentes no corpo de Cristo.”
Resposta: O suicídio não faz, não fez e nunca fará parte da nova
natureza do cristão: “Ele vos deu vida, estando vós mortos nos vossos delitos e
pecados, nos quais andastes outrora, segundo o curso deste mundo, segundo o
príncipe da potestade do ar, do espírito que agora atua nos filhos da
desobediência; entre os quais também todos nós andávamos outrora, segundo as
inclinações da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e
éramos, por natureza, filhos da ira, como também os demais. Mas Deus sendo rico
em misericórdia, por causa do grande amor com que nos amou, e estando nós
mortos em nossos delitos, nos deu vida juntamente com Cristo, - pela graça sois
salvos...” (Ef 2.1-6).
Sétimo ponto da argumentação de Núñes: “Pensamos que o suicídio é um
pecado grave, porque atenta contra a vida humana. Mas já estabelecemos que um
crente é capaz de eliminar a vida humana, como o fez Davi. Se eu posso fazer
algo contra alguém, como não conceber que posso fazê-lo contra mim mesmo? Essa
é a nossa posição.”
Resposta: Davi chegou ao ponto de tirar a vida de alguém, se
arrependeu sinceramente e durante sua vida sofreu as amargas consequências
desse erro; e, mesmo assim, por conta dessa culpa, não cometeu suicídio. Diz a
Bíblia: “O homem bom cuida bem de si mesmo, mas o cruel prejudica o seu corpo”
(Pv 11.27). Aquele que comete suicídio não tem direito de acabar com a vida que
não lhe pertence: “Acaso, não sabeis que o vosso corpo é santuário do Espírito
Santo, que está em vós, o qual tendes da parte de Deus, e que não sois de vós
mesmos?” (1Co 6.19).
CONCLUSÃO:
Temos uma orientação muito importante de Deus pela Palavra: “...
estando sempre preparados para responder a todo aquele que vos pedir razão da
esperança que há em vós” (1Pe 3.15b). Infelizmente, dói no coração saber que
para muitos cristãos a Bíblia não é mais suficiente para ser usada como
argumento contra as muitas heresias que vez por outra tentam minar a fé de
alguém. A Palavra de Deus é clara nesse sentido: “Procura apresentar-te a Deus
aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a
palavra da verdade” (2Tm 2.15). A Escritura Sagrada é autoridade máxima em
matéria de fé e é com ela que o cristão defende a sua. Não importam os
argumentos humanos, o que importa é o que a Bíblia diz, ainda que o que ela diz
não esteja claro, mais esteja subentendido, como é o caso das palavras
Trindade, Missões, e tantas outras que não aparecem no texto Sagrado, mas a sua
ideia está lá. O suicídio é uma declaração pública daquele que está perdido
eternamente. Por não terem sido regenerados, salvos, justificados e
santificados por meio da operação do Espírito Santo neles, os não-regenerados
estão sujeitos as mais perversas manifestações de uma natureza humana sem Deus,
inclusive o próprio suicídio.
Diz o Breve Catecismo:
O estado de pecado em que o homem caiu consiste na culpa do primeiro
pecado de Adão, na falta de retidão original e na corrupção de toda a sua
natureza, o que ordinariamente se chama pecado original, juntamente com todas
as transgressões atuais que procedem dele. Todo gênero humano, pela sua queda,
perdeu a comunhão com Deus, está debaixo de sua ira e maldição, e assim ficou
sujeito a todas as misérias nesta vida, à própria morte e às penas do Inferno
para sempre.33 Outra verdade que encontramos na Bíblia, é a de que todos nascemos
perdidos e condenados ao inferno. Não nos tornamos pecadores. A única diferença
é que: “[...] aprouve a Deus salvar os que Creem pela loucura da pregação” (1Co
1.21b). E a Bíblia ainda diz: “Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o
poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que creem no seu nome” (Jo
1.12). Os que se tornaram novas criaturas não vivem na prática do mal: “Todo
aquele que é nascido de Deus não vive na prática do pecado; pois o que
permanece nele é a divina semente; ora esse não pode viver pecando, porque é
nascido de Deus” (1Jo 3.9). Porém, aqueles que não creram na operação redentora
do Espírito de Deus sobre eles, perecerão eternamente nesta mesma confissão:
“Em verdade vos digo que tudo será perdoado aos filhos dos homens: os pecados e
as blasfêmias que proferirem. Mas aquele que blasfemar contra o Espírito Santo
não tem perdão para sempre, visto que é réu de pecado eterno” (Mc 3.28,29). “Se
alguém vir a seu irmão cometer pecado não para a morte, pedirá, e Deus lhe dará
vida, aos que não pecam para a morte. Há pecado para morte, e por esse não digo
que rogue” (1Jo 5.16).
Por Rev. Gilberto de Souza
REFERÊNCIAS
[1] O Reverendo Gilberto de Souza é formado bacharel em Teologia pelo
Centro Universitário da Grande Dourados – MS. Atua como pastor Auxiliar na
Primeira Igreja Presbiteriana em Nilópolis – RJ.
[2,3,11,30,] NÚÑEZ, Miguel. Ao Cometer Suicídio, o Cristão Perde a
Salvação? [Internet]. Disponível em: a
href="http://www.ministeriofiel.com.br/">http://www.ministeriofiel.com.br>.
Acesso em: 20 jan. 2014.
[4] Os Cinco Solas (apud BOYER, Orlando. Os Eróis da Fé, CPAD, Rio de
Janeiro 2002). Os Cinco Solas da Reforma Protestante. [Internet]. Disponível
em: a
href="http://oscincosolas.blogspot.com.br/">http://oscincosolas.blogspot.com.br>.
Acessado em: 21 jan. 2014.
[5,6,20,26,28,29,31] Confissão de Fé de Westminster/Assembleia de
Westminster – 18. Ed. – São Paulo: Cultura Cristã, 2008 pág.19,21 Cap.I,II - Da
Escritura Sagrada – IV,VI; pág.92,98 cap.X – Da Vocação Eficaz – I,IV; pág.135
cap.XVII - Da perseverança dos santos – I; pág.39 cap.III – Dos Eternos
Decretos de Deus – VI.
[7] AZEVEDO, Vânia Dutra. Introdução à lógica. 2. Ed. – Ijuí: Ed.
UNIJUÌ, 2000. – 243p. – (Coleção ensaios – política e filosofia). ISBN
85-85866-73-X.
[8] BERKHOF, LOUIS. Teologia Sistemática; traduzido por Odayr
Olivetti. – 4ª Ed. Revisada_São Paulo: Cultura Cristã, 2012. 720p.; 16x23 cm.
Tradução de Systematic Theology – ISBN 978-85-7622-462-4
[9] Confissão de Fé de Westminster/Assembleia de Westminster – 18. Ed.
– São Paulo: Cultura Cristã, 2008 p.113 Cap.14 - Da Fé Salvadora – I.
[10] CARDOSO, Manuel Pedro. Catolicismo e Protestantismo, Qual a
Diferença? Lisboa. s/data [Internet]. Disponível em: a
href="http://www.igreja-presbiteriana.org/">http://www.igreja-presbiteriana.org>.
Acesso em: 22 jan. 2014.
[12,22] Apostila: Curso para Catecúmenos. Igreja Presbiteriana do
Brasil – Estudo 06: O Presbiterianismo – As Falsas Doutrinas na Igreja. Pág.12.
Estudo 05: O Plano da Salvação – A regeneração. Pág.10.
[13] GUSSO, Antônio Renato, Como Entender a Bíblia – Orientações
práticas para a interpretação correta das Escrituras Sagradas. / Antônio Renato
Gusso – Curitiba: A.D.SANTOS EDITORA, 1998. 118p. – ISBN – 85-7459-027-4
[14,19] GONÇALVES, Paulo César. T.U.L.I.P Os Cinco Pontos do
Calvinismo. [Internet]. Pág.3 Disponível em: a
href="http://www.anpad.org.br/">http://www.anpad.org.br>.
Acesso em: 25 jan. 2014.
[15,18] O Breve Catecismo / Assembleia de Westminster (1643 a 1652);
[tradução Igreja Presbiteriana do Brasil]. – 2.ed. – São Paulo: Cultura Cristã,
2006 96p. Pergunta 10. pág.18; pergunta 20. Pág.25; perguntas 18 e 19. Pág. 23
e 24.
[16] SOUZA, Gilberto. A impossibilidade da Salvação por Méritos. Rio
de Janeiro 2014. [Internet]. Disponível em: a
href="http://areform.blogspot.com.br/">http://areform.blogspot.com.br>.
Acesso em: 26 jan. 2014.
[17,21] OWEN, John. (2003, setembro 8). A regeneração. Revista Os
puritanos, 03, ANO XI, pág. 10.
[23] GARDNER, Calvin. Micelânea O pecado na vida do crente. 09/2009.
[Internet]. Disponível em: a
href="http://www.palavraprudente.com.br/">http://www.palavraprudente.com.br>.
Acesso em: 28 jan. 2014.
[24,32] Bíblia de Estudo de Genebra. São Paulo e Barueri, Cultura
Cristã e Sociedade Bíblica do Brasil, 1999. A perseverança dos santos.
Pág.1331; 1413 (Comentário 1.21 e 23); 1152. [grifo meu]; 1413 (comentário 1.21
e 23)
[25] Minha Vida saúde, alimentação e bem estar. Suicídio. [Internet].
Disponível em: a href="http://www.minhavida.com.br/">http://www.minhavida.com.br>.
Acesso em: 28 jan. 2014.
[27] (PARAIZO, Marcos Kopeska - Superando o luto - Quando vai passar?
- Série "Superando as crises da vida" - Curutiba: A.D. SANTOS
EDITORA, 2009, pág.17.
Read more:
http://bpmiltonrabayoli.blogspot.com/2014/04/o-cristao-e-o-suicidio.html#ixzz30gr2aU00